segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

A vida de um sem-abrigo de Albufeira: «Eu não tenho dinheiro e sou feliz»


A vida de um sem-abrigo de Albufeira: «Eu não tenho dinheiro e sou feliz»

POR KAROLINA DUNETS • 25 DE DEZEMBRO DE 2020 -9:26


O dia a dia de um mendigo nas ruas de Albufeira que gosta da vida que leva

O senhor José Manuel e o seu fiel amigo Poppy – Foto: Karolina Dunets | Sul Informação

Tem 53 anos, quinze dos quais vividos como pessoa sem-abrigo nas ruas de Albufeira, acompanhado pelo seu fiel amigo patudo Poppy. Para eles, é uma luta diária conseguir algum dinheiro e alimento. Apesar das dificuldades, afirma que é uma vida que gosta de viver.

06/02/23, 18:56 A vida de um sem-abrigo de Albufeira: «Eu não tenho dinheiro e sou feliz» | Sul Informação

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José Manuel Coelho dos Santos é um homem de bom coração e muito solitário, nascido em Paderne (concelho de Albufeira), onde também viveu até aos seus 16 anos.

Conta que foi abandonado pelo próprio pai, o qual casou com outra mulher e foi viver para a Alemanha. Aos 7 anos, perdeu a mãe deforma trágica. «Cheguei da escola e vejo a minha prima com o tio a chorar, não me diziam nada, não quiseram dizer. Quando soube, chorei tanto, tanto, tanto», recorda.

Apesar de uma vida de criança tão atribulada, fez a 4ª classe e, em seguida, foi trabalhar para uma fábrica em Paderne, para conseguir ajudar a sustentar as suas duas irmãs mais novas.

Na altura, recorda, trabalhou muito. Não gostava do que fazia, até porque foi muitas vezes enganado, não lhe pagavam e parecia um escravo, nem tempo tinha para descansar.

«Meti-me no álcool e nas drogas, e, aos poucos, fui descendo atéchegar aqui onde estou agora», conta o sem-abrigo.

No entanto, acrescenta, agora não bebe e não consome drogas, apenas fuma e mesmo assim não gasta dinheiro em tabaco, porque o pede a quem passa. «Um maço de tabaco custa 4,90 euros, quase 5euros e com esses 5 euros eu consigo comer bem».

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Foto: Karolina Dunets | Sul Informação

Durante quinze anos, viveu nas ruas, uma vida que admite que é "difícil». Mas nos dois últimos anos, habita numa casa velha, sem luz   água.

Conta que juntou algum dinheiro e comprou uma fechadura para a casa e que tem sido uma grande sorte ninguém o expulsar de lá. A casa pertence a uma pessoa que atualmente vive em Lisboa e que, de vez em quando, vem ao Algarve.

Mas este alojamento precário poderá não durar muito: o dono da casa já lhe disse que esta será posta à venda em breve, o que deixa o senhor José Manuel um pouco preocupado, pois o lugar onde costuma dormir é «seguro» e ali não há chances de ser assaltado.

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Quando está a mendigar nas ruas, já passou por situações de pessoas que lhe roubavam moedas e começavam a correr: «eles roubam e correm, eu não vou atrás. O mal que eles fazem vão receber de volta", diz.

Por estas e por outras, o senhor José Manuel não confia muito nas pessoas e, quando consegue dois ou três euros em moedas, guarda-as logo para não voltar a passar por situações iguais.

Para conseguir algum dinheiro, o senhor José acorda cedo e vai para o seu lugar habitual no centro da cidade de Albufeira, pedir ajuda às pessoas que passam por lá. Senta-se num dos lados da rua e mete à sua frente um chapéu, onde as pessoas mais generosas deixam algumas moedas.

Este ano, conta, tem sido muito difícil, pois quem mais lhe dá dinheiro para comprar comida são os turistas. Quando lhe oferecem, almoça num restaurante, outras vezes come no supermercado, outras nem almoça.

«Às vezes, as pessoas chegam perto de mim e oferecem-me comida que eu não consigo comer, porque não tenho dentes. E eu nego. Eles dizem que sou “fino”, mas eu não consigo comer, agradeço muito, mas sinto-me mal por não poder aceitar certos alimentos».

O Poppy – Foto: Karolina Dunets | SulInformação

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A higiene fá-la nas casas de banho públicas da baixa de Albufeira, tem alguma variedade de roupas e sapatos que pode trocar e, assim que pode, lava a sua roupa na lavandaria perto do McDonald’s de Albufeira.

Com a atual situação de Covid-19, o mendigo muitas vezes é expulso do seu lugar habitual pelas autoridades, mas acaba por voltar porque tem «mesmo de ganhar algum dinheiro». Só que já tem sido chamado à atenção pela polícia, levado para a esquadra ou mesmo multado.

«Eles não têm culpa, apenas cumprem o seu trabalho. Os culpados são os de cima», comenta.

O senhor José Manuel passa os dias sozinho, mas sempre na companhia do seu cão, que encontrou no lixo dentro de um saco, há treze anos. Apesar de ser mendigo, tem uma boa relação com as pessoas que vivem e trabalham no centro de Albufeira e que já o conhecem.

Às vezes, uma das suas irmãs que vive nos Olhos d’Água vem visitá-lo para saber como se encontra. Já o tentou acolher na sua casa, mas o senhor José Manuel diz que gosta de ficar sozinho.

Também já houve várias instituições que o tentaram acolher, mas ele esclarece que não aguentou ficar lá por muito tempo. «Eu gosto desta vida, posso andar onde quero, sou livre…o único problema é a fome, a fome custa muito».

Com o pouco que tem, considera-se uma pessoa feliz: «ou tu és feliz ou tu és rico. As pessoas que têm dinheiro tornam-se más, egoístas, capazes de fazer muito mal pelo dinheiro. Eu não tenho dinheiro e sou feliz».

Fotos:

Karolina Dunets | Sul Informação

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POEMAS DE NATÁLIA CORREIA

 


De Amor nada Mais Resta que um Outubro

De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

Natália Correia, in “Poesia Completa”

Ode à Paz

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,

Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
                               deixa passar a Vida!

Natália Correia, in "Inéditos (1985/1990)"


BILHETE PARA O AMIGO AUSENTE

Lembrar teus carinhos induz
a ter existido um pomar
intangíveis laranjas de luz
laranjas que apetece roubar.

Teu luar de ontem na cintura
é ainda o vestido que trago
seda imaterial seda pura
de criança afogada no lago.

Os motores que entre nós aceleram
os vazios comboios do sonho
das mulheres que estão à espera
são o único luto que ponho.

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

 

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

ADEUS Amiga

Soube há pouco tempo que tinhas morrido. Fiquei em choque, pois ainda nao tinhas idade para partir.
Na nossa amizade tivemos altos e baixos.  Houve alguns momentos em que sentíamos que não combinávamos e afastámo-nos. Um dia, fui a um concerto na Sé de Lisboa e à saída encontrámo-nos. Adorei ver-te. Disseste-me que o teu filho tinha falecido com uma overdose.  Fiquei tão chocada. Éramos duas mães sofridas. Eu com o coração destroçado pela morte súbita da minha filha Marta, tu ainda incrédula do choque que tinhas sofrido há pouco tempo.  
Recomeçámos a nossa amizade. Precisávamos uma da outra. Reatámos a nossa amizade,  telefonávamos com assiduidade .
Um dia, a casa bonita e boa que tinhas na Praça Pasteur por um descuido teu, deixaste um cigarro meio apagado que pegou fogo à casa. Ficaste sem nada. Tudo ardeu. Mais um choque terrível para ti. Não tinhas onde viver.  Foste para casa da nossa amiga Riso. Um tempo depois alugaste uma casa.
Moravas perto da Riso, eram vizinhas,  estavas contente.
Fizemos um workshop de 15 sessões, aos sábados e Domingos. Víamo-nos com frequência.  Dávamos-te boleia para Sintra.  Comprei-te um pijama com bonecos do Mikey e mais algumas peças de roupa pois tu tinhas preciso de tudo. Quando te telefonava dizias-me: " sabes o que tenho vestido? O pijama do Mikey,  pareço uma criança! " e riamo-nos as duas. Estavas contente e o workshop fez-nos bem e aproximou-nos muito. 
Contavas-me coisas da tua vida. Moravas na Penha de França e tinhas como vizinhas umas idosas que te adoravam. 
Não me tenho esquecido de ti. Partiste para sempre. Adeus minha amiga Maria Alexandre. 

OS SEM-ABRIGO

 

A TI FLORINDA - LAVADEIRA

Desde que me lembro, que sempre em minha casa, como nas casas dos meus avós paternos e minha avó materna, se repartia com os mais necessitados. Não havia reformas nos anos 50/60 do século passado e por isso, as pessoas trabalhavam até serem muito velhinhas. A minha avó Bárbara, apesar de não ter muito, repartia o pouco que tinha pelos mais pobres. Lembro-me da lavadeira (não havia máquinas de lavar) ser uma mulher muito idosa, que lavava a roupa no tanque do quintal. No Inverno, a água no tanque criava uma camada de gelo, a que chamávamos “caramelo”, que tinha que se partir para se chegar à água líquida. As mãos ficavam geladas, vermelhas e tolhidas com o frio. Minha avó, que tinha sempre lume feito na chaminé, chamava a ti Florinda e esta gelada de frio, sentava-se ao lume para se aquecer. Minha avó dava-lhe uma tigela de café e pão com queijo, marmelada ou “ argolas” da massa do pão; a ti Florinda bebia o café e comia e depois ia logo para o tanque lavar a roupa. À hora do almoço, a minha avó chamava-a, ela sentava-se de novo ao lume na chaminé e dava-lhe uma grande tigela de sopa quente, que ela comia regalada. Era uma pessoa muito reconhecida com as atitudes da minha avó, e por isso, quando a minha avó estava sozinha, ela ia fazer-lhe companhia, dizia-se “dar o serão”, e voltavam a beber café com leite e pão com qualquer “ conduto”, e assim, a ti Florinda ia para a sua pobre casa muito fria, de tecto de telha vã e portas que deixavam entrar o ar gélido da noite, um pouco mais confortada.

Diariamente, aparecia a ti Rosária Espanhol, velhinha e sem qualquer sustento. A minha avó dava-lhe uma tigela de sopa, café e pão com o que houvesse. Era visita da casa só para comer, ficava um pouco à conversa e depois ia para casa dela.

 

Ti Jacinto Pavão

O meu avô paterno tinha um monte, chama-se o Monte do Sesmanito. Pegado ao monte havia uma casa pequena, com chaminé, onde se guardavam os utensílios da lavoura e a fruta que era apanhada e guardada em cima de palha, para durar todo o inverno. Apareceu em Casa Branca, um homem, que nós achávamos já de meia-idade, mas provavelmente ainda era novo, hoje seria considerado “um sem-abrigo” que era o ti Jacinto Pavão. Não trabalhava e bebia muito, dormia onde calhava. Todos na aldeia o conheciam, pois ele não fazia mal a ninguém. Então, os meus avós levaram-no para o monte, puseram uma cama de ferro nessa casa e ele começou aí a viver. Fazia lume na chaminé para se aquecer e aí dormia. Ajudava o meu avô nos trabalhos da horta, mas com pouca habilidade e com muita preguiça, o meu avô estava sempre a chamá-lo à atenção. À hora das refeições, a minha avó ia levar-lhe o pequeno- almoço, o almoço e o jantar, e a fruta comia a que lhe apetecesse. Quando nós, crianças estávamos no monte, era um de nós a ir levar o comer ao ti Jacinto Pavão. Não tínhamos medo dele, apesar do seu aspecto maltrapilho e do cabelo e da barba sempre grandes. Ele tinha por nós respeito e amizade. Quando o meu avô envelheceu e deixou de tratar do monte, o ti Jacinto Pavão ficou sem sítio onde se abrigar.

O meu bisavô materno, que já tinha falecido há muitos anos, tinha um pequeno monte numa courela, que distava de Casa Branca, 1Km ou 1, 5km e o ti Jacinto Pavão começou a ir abrigar-se ali. Pedia esmola de porta em porta e algumas vezes, o meu pai dava-lhe trabalhos leves nos armazéns, como varrer, lavar ou regar as flores e pagava-lhe, logo ele ia gastar esse dinheiro em vinho. Não conheci esse montinho, que servia para guardar as alfaias agrícolas e pouco mais. 

Um dia, o ti Jacinto Pavão devia estar bêbado e com frio, fez um lume grande dentro do monte, e este começou a arder. Sem ter ninguém, por perto para o ajudar, deixou arder o monte todo, para grande desgosto da minha avó materna, dos meus tios e da minha mãe, pois o meu bisavô, já velhinho apoiado num cajado, ia quase todos os dias a essa courela buscar fruta e sobretudo figos, das poucas árvores que ainda resistiam, ao calor do verão e ao frio do inverno, sem serem tratadas.

 

OH PATROA!

A minha tia materna viveu na Moita. Então havia um sem-abrigo que ia ao 3º andar pedir esmola. Um dia, ela perguntou-lhe se ele queria uma tigela de sopa quentinha, ao que ele respondeu, muito prontamente, que sim.

Assim, duas vezes por semana, ele entrava no prédio, subia até  ao 3º andar, batia à porta da minha tia e chamava: -“Oh patroa!” , “ oh patroa” e a minha tia lá ia dar-lhe a tigela de sopa quentinha, que ele comia sentado nos degraus da escada. Agradecia muito e dizia: “Até pr’a semana, patroa!”

A tigela e a colher eram sempre as mesmas, estavam ao lado do lava-louças e nós já sabíamos que era a tigela do “Barbas”, nome que nós lhe pusemos. Durante anos, ele foi ali comer, e ontem, telefonei a minha tia para saber o nome deste sem-abrigo e a minha tia disse-me: -“ Não sei! Vê - lá que nunca lhe perguntei como se chamava!...”

Quando foi morar para o Barreiro, também começou a dar a sopa quentinha a um sem –abrigo, que lhe chamava “-Senhora!”. Ela morava no 2º andar, ele entrava no prédio, batia-lhe à porta, chamava “Senhora! Oh senhora” e lá vinha a minha tia dar-lhe a grande tigela, que já tinha sido do outro sem –abrigo  da Moita, cheia de sopa quentinha. Sentava-se, nos degraus da escada, comia, ficava muito satisfeito, agradecia e dizia-lhe: -“, Obrigada senhora! Então até para a semana!...”

 

Muito mais tinha para contar, mas fico por aqui. Ainda hoje, tenho muito respeito pelos sem-abrigo e ajudo sempre que me é oportuno.

 

 

USMM

Massamá 16 Fevereiro 2023

Zuzu Baleiro

 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

PARTISTE HÁ 28 ANOS...

 Minha querida Marta 
Era uma segunda-feira como hoje, um sol radioso e quente de inverno. Dia 6 de fevereiro, faz hoje 28 anos, fomos-te levar à tua última morada.
Havia muita gente.
Eu fiquei junto do caixão aberto e tu parecias dormir, linda, muito branca com os lábios cor de rosa, parecia que sorrias.
À volta  as pessoas comentavam como estavas linda, nos teus 21 anos, parecias sorrir.
Despediste-te da Terra com um sorriso no rosto morto.
Terrível, terrível aqueles poucos momentos que passei junto de ti. Aquela imagem perdura no meu pensamento. Como foi possível deixar-te partir para sempre. Não sei como aguentei tamanha mágoa, que até hoje perdura, 28 anos já passados... Tenho tantas saudades tuas!
Esta noite passada, não consegui dormir, vi tudo acontecer como num filme, num drama... porquê tu, minha linda Marta, tão boa, tão meiga, tão estudiosa, tão especial?
Porque nos deixaste este sofrimento, impossível de esquecer a todos aqueles que te adorávamos?
Sei que não me irás ler...mas tenho que escrever-te... as saudades são tantas... hoje serias uma linda mulher de 49 anos, trabalhadora, responsável, talvez casada e mãe de filhos. Infelizmente, partiste para todo o sempre, com os teus 21 anos, feitos 15 dias antes.
Tu não merecias partir tão cedo, nós não merecíamos sofrer tanto.
Saudades... muitas saudades ... 
Mãe Zuzu


MARTA PRIMEIRA FOTO QUANDO CHEGOU A BEJA NO ANO DE 1992

sábado, 17 de dezembro de 2022

NÃO SEJAS ASSIM TÃO NERVOSA!!!!

NÃO SEJAS ASSIM TÃO NERVOSA!!!! 
NÃO PÁRAS DE ENERVAR AQUELES COM QUEM VIVES E TU PRÓPRIA SENTES QUE NÃO DEVIAS SER ASSIM... 
PRECIPITADA... 
PERDER AS ESTRIBEIRAS POR UMA MERDINHA DE NADA...
DEVES TENTAR CONTAR ATÉ 10 ANTES DE EXPLODIRES... 
DE BOAS INTENÇÕES ESTÁ O INFERNO CHEIO!!!
 ELA OUVIA TUDO AQUILO E AINDA TINHA MAIS VONTADE DE EXPLODIR, DE DIZER A TODAS AS PESSOAS QUE LHE DAVAM CONSELHOS BEM INTENCIODOS, QUE TUDO NÃO PASSAVA DE UMA TRETA. SE TIVESSEM A VIDA DELA, DE CERTEZA QUE SE SENTIRIAM TAMBÉM ASSIM, RAIVOSOS COM A VIDA!! REVOLTADOS COM AS SITUAÇÕES ESCABROSAS A QUE ESTAVA SUJEITA... REVOLTADOS COM  AS SITUAÇÕES INESPERADAS QUE LHE ACONTECIAM, SEMPRE QUE FAZIA A TENTATIVA DE ANDAR MAIS CALMA.
AMANHÃ, VOU MUDAR... VOU ESTAR CALMA... NÃO VOU INCOMODAR-ME COM PEQUENOS NADAS... E ZÁS!!!... LÁ VINHA O ACIDENTE, O INSPERADO...

No dia 8 de Novembro de 2015, tinha a apresentação do livro da Marta na Casa do Alentejo, estava um pouco ansiosa, sabia que a sala era pequena e estava à espera de muitos amigos e conhecidos. Mas tentou superar isso e tentou acalmar-se. Esteve em casa durante o dia todo, inclusivamente, foi dormir um pouco para no dia seguinte estar mais bem disposta. Resolveu sair por volta das 17 horas, para beber um café. Mal tinha chegado à rua, telefonou-lhe o marido a dizer que fosse urgente para casa, pois tinha caído do escadote. Sentia-o nervoso. 
Chegada a casa, viu o cotovelo e havia um buraco. Um buraco que teve que levar 4 pontos no centro médico dos SAMS. Sentia-se nervosa, a espera para serem atendidos, o ambiente hospitalar, o pensar que poderia ter sido muito pior... depois do tratamento , voltaram para casa... nervosos, ansiosos e ela pensava: que mais me irá acontecer?
A apresentação do livro Marta correu bem.  A sala estava a abarrotar. A todo o momento pensava que deveria ter insistido com a direcção para lhe darem uma sala maior... até noutro dia,a apresentação poderia ter sido adiada! no final, uma amiga que acha que é muito amiga, veio dizer-lhe: " Tens que ter mais calma nestas apresentações! notava-se que não estavas bem, que estavas perturbada, e isso transmitia-se às pessoas!!!" Porra!!! Bolas !!! Merda!!! pensou: eu não sou de ferro... sou feita de carne e osso, apresentava o livro da sua filha Marta que morreu de morte súbita... havia na sala muitos amigos e amigas que tanto conviveram com a Marta...tinha que exprimir e sentir os seus sentimentos... e ninguém se interessou que umas horas antes estava nas urgências do hospital para ver o que tinha acontecido ao marido!!!

No dia 21 de Novembro seria a apresentação do livro da Marta em Sesimbra. Há alguns meses que tudo estava planeado.  Estava calma e tranquila pois quem iria fazer a apresentação do livro era uma amiga  que escreve muito bem, fala bem e sabia que a apresentação seria muito boa.
Na 3ªf, anterior, dia 17, a mãe, de 88 anos, caiu no Lar de 3ª idade onde está durante o dia. Telefonaram-lhe, pensavam que não era nada de grave, mas teria que ir resolver o assunto. Resolveu levá-la, cerca das 15 horas da tarde, às urgências do Centro de Saúde de Estremoz, onde encontrou uma médica competente, atenciosa e interessada. Fizeram-se radiografias ao joelho e à perna e não se concluiu nada. Era necessário ir para um hospital distrital para verem o que na verdade a senhora de 88 anos tinha. Esperámos horas. A sala de espera repleta de gente. Ninguém nos vinha dizer nada. Finalmente, a mãe foi chamada para fazer novo raio x. Entrou com ela. Uma confusão lá dentro do serviço de urgência. Pareciam abelhas zonzas a sair e a entrar dos gabinetes, nem para nós olhavam, para não lhe dirigirmos a palavra, andavam de cá para lá e nós à espera para sermos chamados para a radiologia. Finalmente, fez-se a radiografia, esperámos e depois fomos chamadas ao gabinete de uma médica, uma jovem de pouco mais de 25 anos, espanhola, que nem se levantou da cadeira. A minha mãe na cadeira de rodas, eu em pé e ela sentada na sua poltrona de secretária disse que não via nada de partido no joelho (respirámos de alívio!) a médica nem sequer veio ver como estava o joelho, se ferido, se negro, se inchado. A minha mãe perguntou se podia pôr Voltaren em pomada, " Disse: - Não valia a pena! isso vai passar com o repouso!" 
Saímos dali às 22.30 horas. Viemos de táxi. Chegámos a Casa Branca por volta das 23.30h, quase meia-noite. Cansadas, saturadas e irritadas por tantas horas de espera. 9 horas para chegarmos a casa sem qualquer proposta de tratamento, indefesas perante a prepotência  do sistema de saúde,  cansadíssimas.
A minha mãe ficou em casa a recuperar até ao início da semana seguinte. O meu marido ficou com a minha mãe enquanto eu ia para Sesimbra, no Sábado dia 21 de Novembro para a apresentação do livro Marta. Como é que quem está a ler este post acha como eu me sentia? 

Pai Vitalino e Mãe Amélia


                                              Pai Vitalino
Mãe Amélia

Ladainha dos póstumos Natais

 Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

DAVID MOURÃO-FERREIRA

SOLIDÃO

Jerónimo sentia o peso dos 87 anos, cada dia mais debilitado e triste.
Sentia-se sozinho, naquela casa humilde, mas sempre limpa, onde sempre vivera com a mulher e a filha.
Havia oito longos anos, que Jerónimo perdera a sua companheira de 56 anos de casados. Para ele tudo tinha terminado no dia em que Amália fora a enterrar.
 Exteriormente, a casa estava em derrocada, mas ele não tinha nem dinheiro nem ânimo para a mandar restaurar. Com uma reforma tão pequena, como se poderia aventurar a combinar com o pedreiro o restauro da casa? Sabia que os vizinhos o criticavam por aquele desmazelo, mas “cada um sabe da sua vida!” e ele sabia que não podia meter-se em aventuras dessas. Em alimentação, em médicos e em medicamentos muito pouco lhe restava da reforma. Dava para ir ao café beber um descafeinado e falar um pouco com quem lá encontrasse. Procurava que lhe sobrassem algumas moedas num mealheiro improvisado para dar à filha e ao genro, no Natal.
A filha casara muito nova e fora morar para Palmela. Arranjou trabalho como recepcionista num dentista, e raramente vinha a casa do pai, pois ao Domingo tinha que tratar da casa, das roupas e do marido.
Jerónimo trabalhara como funcionário público, nos ministérios do Terreiro do Paço durante 38 anos. Na secção, todos o consideravam, com seu feitio calado e reservado, era um funcionário rigoroso e responsável no seu trabalho. Os colegas viam-no chegar sempre com aquele ar tristonho, mas de cumprimento afável; com o jornal “o Século” debaixo do braço, que lera durante a travessia do barco do Barreiro para Lisboa. Andava sempre com a camisa branca de neve, gravata, as calças vincadas, chapéu e gabardine, pois a sua Amália fazia questão e sentia orgulho de lavar, passar a ferro todas as semanas a pouca roupa que ele tinha. Ela vinha sempre à janela fazer-lhe adeus, quando ele saía para o emprego, logo muito cedo, vestido com a sua gabardine e chapéu.
Nunca tivera uma vida abastada, bem pelo contrário! O que valia era que a mulher era muito poupada e organizada com o vencimento que ele lhe entregava no envelope mensalmente. Para ele, ficavam apenas uns trocos, pois os únicos vícios que tinha, era o tabaco e comprar o jornal diário. 
Naquele dia, como em todos os dias, veio do café do bairro, meteu a chave à porta , entrou em casa e encontrou-a  arrumada e limpa como sempre a deixava, antes de sair. Nunca deixou de limpar os móveis, os bibelôs, de fazer a cama, de lavar a loiça, de arrumar tudo como sempre a sua Amália fizera.
Olhou e ficou surpreendido, pois, sentada no velho sofá, tinha a visita inesperada da filha, àquela hora e num dia de semana… porque teria ela vindo visitá-lo?

 

USMMA                     Zuzu                            Dezembro 2022





O SAPO

 Dois rapazes iam a andar pelo campo, no meio das ervas quando viram um sapo.

Olha um sapo! e que feio! vou matá-lo num instante e traçá-lo de meio a meio, que animal tão repugnante e não sei para que medra ( cresce) bicho tão feio e tão mau. Vou matá-lo com uma pedra e depois espeto-lhe um pau!

- Não o mates! porque o odeias e ofendes este animal? Matá-lo com tanto anseio, ele já te fez mal?

 A mim não farás por ventura, não sabes?  fazem muitas desgraças. Os que desta raça fazem muitas desventuras e causam muitas desgraças   (frase confusa)

- 3x7 são 21, amanhã há mais, também é dia! 

Idosa de 95 anos, analfabeta, utente do lar de Casa Branca - Sousel

Ter o sapo como animal de poder é, acima de tudo, um símbolo da pureza e da capacidade de limpeza e purificação da água, onde o sapo passa a maior parte do tempo de sua vida. Além disso, vem com a capacidade de juntar o melhor de dois mundos, já que o sapo transita bastante pela terra também.

Animais de poder: Sapo - Eu Sem Fronteiras



O MENINO E A LARANJA

Um menino pequenino quis comer uma laranja que estava na laranjeira.

Pulava. Saltava. Mas ela estava tão alta que ficou a pensar na maneira de chegar à laranja redondinha, uma bola tão lindinha!

Vai ficando a pensar e esperando na maneira de lhe chegar. Quando veio o vento e a derrubou.

Apanhou-a e comeu-a muito contente.



História contada por uma utente do Lar de Casa Branca-Sousel, com 93 anos.





domingo, 2 de dezembro de 2018

A CASA DA PRIMA ZINDA

Zuzu era uma criança alegre, muito amiga de conviver e adorava andar a brincar na rua, ia a casa dos avós, visitava a avó viúva, brincava em casa das amigas mas o que ela mais desejava, era estar fora de casa.
 Naquele tempo, com 7 ou 8 anos, era aluna da escola primária. E sobretudo, à sexta-feira, tinha a obsessão de ir brincar para casa da sua prima Zinda, que morava na parte de baixo da aldeia. Saíam as duas da escola e procurando as ruas que as levavam a casa da prima, sem passar pela sua casa, lá iam elas, felizes e contentes, passar o resto da tarde
e se possível dormir em casa da prima.
A tia Adozinda, mãe da Zinda, estava como habitualmente, sentada no lado de dentro do balcão, junto à gaveta do dinheiro, num cantinho bem resguardado, onde lia; só se levantava dali, para ir atender a cliente que chegava, depois voltava para o seu poiso preferido, calma e tranquilamente, lendo o livro de romance, pois ela adorava ler. Era uma mulher muito forte, com umas grandes ancas, pernas gordas, que recebia  sempre Zuzu e Zinda com um sorriso lindo na sua cara muito redonda e sem rugas, muito meiga, tranquila e simpática.
Zuzu e Zinda iam para a pequena cozinha, onde ardia o lume de chão; lanchavam, cheias de apetite, o pão com manteiga e açúcar, com marmelada ou queijo, que tinha acabado de sair do forno de lenha do tio João Perninhas. Sentavam-se à camilha, junto do lume e faziam os trabalhos da escola. Depois, se o tempo estivesse bom, iam para o quintal brincar com o que lhes apetecesse. O quintal não se podia considerar muito bonito. Havia muita lama e tinham que procurar um carreiro de pedra bem junto às paredes para não ficarem atascadas. Uma grande meda de lenha ficava junto ao portão, que dava acesso à outra rua e que servia para alimentar o forno, onde o pão e os bolos eram cozidos de madrugada. A seguir à lenha havia mais lama e depois o galinheiro. As galinhas estavam numa capoeira de rede, a meio do quintal e Zuzu e Zinda entretinham-se tempos sem fim, a vê-las com os seus pintainhos atrás da mãe, com os galarispos ou cocós que andavam sempre a brincar uns com os outros, ou com os galos de crista vermelha e de cauda adornada de lindas e grandes penas multicores.
 Aquele quintal não era bonito, mas tinha certos recantos maravilhosos. A tia Adozinda adorava flores! Mandava vir pelo correio, sementes de todas as variedades, que ela semeava e via nascer e crescer com toda a paciência. Havia muitos, muitos vasos, junto às paredes que ladeavam o quintal, onde cresciam as sementes que tinham vindo de Lisboa ou do Porto. 
As crianças entretinham-se a ver em qual dos vasos despontavam as primeiras folhinhas, e que mais tarde, seriam as flores maravilhosas do quintal. Não lhes tocavam, pois sabiam como a tia Adozinda era ciosa com as suas flores. Na Primavera ou perto do Verão, nasciam flores maravilhosas como amores-perfeitos, brincos de princesa, gladíolos de todas as cores, cravos túnicos, estrelas imperiais e muitas, muitas mais flores.
O poço era outra das curiosidades do quintal, pois servia três casas. Umas paredes pequenas, laterais, dividiam-no, uma parte para a casa onde sempre morara a minha bisavó Ana Rita, e que agora pertencia à Prima Joaquina Inácia, onde as criadas iam colocar grandes cestos cheios de garrafas para refrescarem, outra parte, para a casa da tia Josefa Mercês e outra para a casa da tia Adozinda. Não era largo, era estreito, cada vizinha tinha o seu caldeiro emborcado na parte que lhe cabia. Zuzu e Zinda adoravam ir para junto do poço, pois a qualquer momento, uma das vizinhas vinha tirar dali água e elas adoravam falar com elas. Parecia um poço e um local de bonecas, parecia um brinquedo, em comparação com o poço enorme, rectangular e de paredes altas que existia no quintal de Zuzu.
Quando chovia ou fazia frio, elas iam brincar para a casa do forno. A casa do forno ficava por cima da padaria. Tinha uma enorme semi-circunferência bojuda e quente, que era a parte de cima do forno o qual ficava por baixo. Junto às paredes, pois não havia muito espaço, sentadas no chão morno, brincavam às casinhas, com as bonecas e os brinquedos de Zinda. Tanto brincavam que se esqueciam do tempo passar. De tempos a tempos, aparecia uma vizinha com um grande alguidar de roupa à cabeça, que ia estender por cima da cúpula quente. Nos dias de inverno, as pessoas mais pobres tinham pouca roupa e secar a pouca roupa que tinham era muito problemático. Os tios de Zuzu sempre se disponibilizaram para que as vizinhas ali secassem a roupa.
Zuzu nunca mais se lembrava da sua casa, nem se lembrava do que a esperava quando voltasse.
A tia Adozinda insistia para que ela jantasse com eles. Ela não se fazia rogada. O pai de Zinda, tio de Zuzu, a tia Adozinda, o primo Manuel Joaquim, Zinda e Zuzu e muitas vezes a empregada Gertrudes, sentados à camilha junto do lume que ardia na chaminé, jantavam calmamente e tranquilamente, e Zuzu adorava sobretudo aquela canja de arroz com muito pouco caldo e como segundo prato, a galinha corada com batatas fritas. Ia-se à loja buscar a fruta da época, que lá havia para vender. Respirava-se um ambiente calmo e tranquilo. O tio João, mal acabava de jantar, sentava-se numa cadeira baixa junto ao lume, a tia lavava a loiça, o primo já crescido saía com os amigos e Zuzu e Zinda iam à pressa deitar-se, para quando o empregado dos seus pais a viesse buscar, a tia Adozinda dizer-lhe que ela já estava na cama.
Ouviam bater à porta. Era o Chico, empregado da casa da Zuzu, que a vinha buscar a mandado da mãe. Ela ouvia a tia Adozinda a dizer ao Chico que ficassem descansados que ela já estava a dormir, e que ficava lá em casa.
O quarto ficava junto à mercearia, o cheiro era um misto de pão fresco, de batatas, chouriços, bacalhau, fruta e tudo o que lá se vendia; aquela miscelânea de cheiros entrava pelo quarto e ficava debaixo dos lençóis, Zuzu sentia-se num mundo diferente. A cama de ferro, encostada à parede, onde dormiam as duas primas, ficava ao lado da cama de madeira onde os tios dormiam, fazia parte da restante mobília  de quarto. O tio deitava-se cedo, pois tinha que se levantar às 4h da manhã para ir para a padaria fazer o pão. A prima dormia, mas Zuzu ouvia-o a levantar-se, a acender o candeeiro a petróleo, a deitar a água com o jarro na bacia, a lavar-se no móvel-lavatório de madeira com a bacia incrustada, onde dos lados estavam penduradas as toalhas de rosto. Por baixo, havia duas portas de madeira onde um balde estava guardado e para onde caía a água suja da bacia. Cheirava a água fresca e a sabão. O quarto era interior, e por isso durante a noite, a escuridão era absoluta. O tio vestia-se, calçava-se e tossia e quando saía apagava o candeeiro e tudo voltava a ficar na escuridão. Zuzu ouvia o respirar profundo da tia  e da prima a dormirem. Aos poucos, o sono voltava e ela adormecia. 
A manhã aproximava-se. Zuzu começava a ficar assustada, por uma vez mais, ter desobedecido à mãe, que não queria que ela saísse da escola e fosse para casa da prima sem avisar. Zuzu sabia que se fosse pedir-lhe ela não a deixaria ir!
Os nervos começavam a apoderar-se dela. Já não tinha prazer em comer o pequeno-almoço com o pão acabadinho de cozer. Estava com medo. Pedia à prima que fosse com ela levá-la a casa, pois talvez assim a mãe não lhe batesse. A prima, muito bondosa e muito amiga, dizia-lhe que sim, que ela iria levá-la a casa, talvez assim a mãe não lhe batesse tanto.
As duas, muito juntas, lá iam a caminho da casa de Zuzu. Quanto mais se aproximavam da casa, mais os nervos se apoderavam de ambas. As duas crianças iam muito caladas.
Chegavam. A mãe de Zuzu, normalmente, estava no quintal, sempre hiperactiva, sempre a lidar de um lado para o outro, sempre a trabalhar. Via-as chegar e perguntava a Zuzu porque tinha ido dormir a casa de Zinda. Ela não sabia responder-lhe. Sabia, apenas, que a vontade de ir para casa da prima era mais forte que o medo de levar uma sova. Zinda tentava defender a prima, mas não ganhava nada com isso. A tia Amélia, mãe da Zuzu, muito enervada, levantava-lhe as saias curtas e dava-lhe palmadas e mais palmadas até se cansar. Zinda fugia dali, não queria ver a prima a chorar. Zuzu ficava com os dedos da mão da mãe marcados nas nádegas, durante horas. Doíam-lhe e ardiam-lhe as nádegas e sobretudo questionava-se: -  "Porque razão a mãe lhe havia de bater com tanta raiva, quando ela não tinha feito nada de tão errado!" Ia chorar para o seu quarto. Deitava-se na cama, de bruços e chorava, chorava até ficar exausta. Sentia-se tão infeliz! Porque razão a mãe lhe batia assim? Uma das vezes, em que Zuzu chegou da casa de Zinda, a mãe foi buscar uma corda grossa e bateu-lhe com a corda, pois quando lhe batia com a mão, esta ficava-lhe a doer. Ela via na cara bonita da mãe, a expressão de raiva, de zangada, de fúria incontida . Nem se atrevia a olhar para ela. Porquê aquela raiva? Porquê aquele ar de zangada? Porquê aquela expressão de fúria nos seus olhos e na sua boca? Sentia-se a menina mais infeliz à face da Terra. Pelo dia adiante, Zuzu parecia que esquecera a sova. Ria e brincava com os seus brinquedos, como se nada fosse. Contudo, no fundo do seu coração, bem lá no fundo, sentia que a mãe não gostava dela, pois se gostasse não lhe batia tanto, como batia…
E o pai não sabia de nada… chegava alegre e bem disposto, brincalhão como sempre … a mãe nunca lhe disse, que naquela manhã, tinha dado mais uma sova a Zuzu… que adorava ir dormir a casa dos tios.

Alentejo, 2 de Dezembro de 2018
alterado no dia 7 Fevº 2023

domingo, 13 de dezembro de 2015

DEVIA MORRER-SE DE OUTRA MANEIRA

Terça-feira, 7 de abril de 2015
DEVIA MORRER-SE DE OUTRA MANEIRA
Devia morer-se de outtra maneira.
transformamo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.

Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhã, convocaríamos os amigos mais intimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer: " Fulano de tal comunica ao mundo que vai transformar-se em nuvem hoje, às 9 horas. Traje de passeio."

E, então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos escuros, olhos de lua de cerimónia, víriamos todos assitir à despedida. Apertos de mãos quentes. ternura de calafrio. "Adeus!  Adeus!" E pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa lassidão de arrancar raízes... ( primeiro, os olhos ... em seguida, os lábios ... depois o cabelo...) a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo... tão leve... tão súbtil .... tão pólen ... como aquela nuvem além (vêem?) - nesta tarde de Outono ainda tocada por um vento de láios azuis ...

José Gomes Ferreira

in blog de Rita Baleiro : http://como1livroaberto.blogspot.pt/2015/04/devia-morrer-se-de-outra-maneira.html

TEXTO DE CÉLIA PIRES

Há encantos e desencantos. Várias faces no mesmo ser. Há dúvidas e certezas. Mentiras e verdades. Há dias e noites. Sombras e luzes. Há prantos e risos. Momentos de ódio. Actos de amor. Há chuvas ácidas e granizos. Ventanias. Raios de sol sublimados. Há mãos douradas. Abraços infinitos. Há luares abençoados. Mares indefinidos. Há amizades perpétuas. Estios efémeros. Enganos indescritíveis. Há instantes perdidos. Águas furtadas. Túneis amarelecidos. Há dores imensas. Veleidades. Segredos adormecidos. Há ignorâncias exaltadas. Talentos recolhidos. Há arco-íris. Palco. Máscaras. Injustiça desmedida. Há poesia revelada. Retrato falado. Cântico sentido. Há vida. Morte. Há princípio. Fim.  

Célia Pires  14 de Dezembro 2015

António Variações - O Melhor de António Variações

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

TERESA

Não, não iria cair na asneira de fazer o que na sua cabeça se formara há muito… morrer
Não tinha coragem… era cobarde mesmo!!! Pensava nas diversas maneiras e entre tantas que lhe surgiam, achava que todas elas eram estranhas e esquisitas.
Um saco de plástico bem apertado à volta do pescoço, começar a respirar lentamente para dentro do saco e aos poucos, muito aos poucos, começaria a desfalecer… talvez fosse uma maneira… mas era demasiado banal…
Fazer um cocktail de comprimidos, centenas deles, calmantes, antidepressivos, analgésicos e outros que encontrasse na gaveta , batidos no liquidificador com fruta agradável, como morangos, bananas, maçãs, limão,  e  beber de um trago um grande copo daquele sumo… e depois…. Será que o estômago iria aguentar tanto liquido? o mais certo era ter que vomitar tudo aquilo… não , não era a melhor maneira…
Enforcar-se, pendurar-se  de uma trave da casa numa corda, mas nem sabia dar o nó? Nunca soube dar nós e ainda por cima, achava horrível morrer de enforcamento, ficar ali pendurada a balouçar até que a fossem encontrar… língua de fora… roxa…. olhos esbugalhados … também não era a forma mais simpática que queria para morrer…
Com uma arma de fogo????? Nem pensar!!!! Tinha horror a armas de fogo. Tinha horror ao barulho do tiro. Tinha horror a pensar que ficaria com o corpo, ou melhor , a cabeça toda estilhaçada…. sangue… miolos…. massa encefálica… tudo espalhado pela divisão… e se não morresse? Pior ainda…. Pois ela pensava em morrer mesmo… não queria ficar marcada para o resto da vida…
Teresa, conhecera há muitos anos uma mulher que se quis suicidar com lixivia. Bebeu lixivia e o tubo digestivo ficou todo queimado. E não morreu…
 O esófago ficou de tal modo queimado que teve que fazer uma cirurgia onde o esófago foi substituído pela tripa do intestino delgado. Nunca mais teve saúde. Não podia comer quase nada.
Um dia, foi fazer uma endoscopia e descobriram-lhe células cancerosas no intestino delgado que estava a fazer de esófago…sofreu muito, foi operada várias vezes… e finalmente, depois de muito sofrimento para ela e para a família, finalmente morreu… Durante mais de 15 anos, esta mulher viveu num sofrimento enorme, e teve várias vezes oportunidade de dizer à família que se tinha arrependido do acto estúpido de se suicidar bebendo lixívia… Teresa sabia que nunca iria escolher esta forma de morrer!
Sabia que havia muitas outras formas…. Mas agora não queria pensar em mais nenhuma… todas as achava escabrosas… uma desagradáveis para ela, outras desagradáveis para quem a fosse encontrar… 
Iria continuar a ser cobarde…  Afinal havia tanta gente a lutar pela vida… a sofrer tratamentos terríveis para se manter à tona… e agora ela ia fazer esta asneira??!!! O melhor seria esperar tranquilamente a hora… a hora  que chega para todos… 

ISABEL

ISABEL

Não sabia o que sentia. 
Um aperto no peito, do lado do coração fazia-a respirar bem fundo, mas o oxigénio não chegava lá.
 Apetecia-lhe dar um grito, um aiiiiii,  dar um grande aiiiii…! 
E dizia para si: mas porque estou eu assim? Porque me apetece respirar tão fundo, dar um ai, que não seria um ai, seria um grito, um grito de leoa ferida?
 Mas não o poderia fazer… a vizinha do quintal do lado ia assustar-se e ia querer saber a razão daquele grito. Daquele grito que vinha bem cá de dentro… bem junto do coração…. Claro que saíra das cordas vocais… mas ele tinha-se formado muito, muito mais lá no fundo… Do lado esquerdo do coração que sentia tão apertado… junto ao buraco … aquele buraco que se formara no dia em que a filha tinha partido, de um modo tão inesperado, tinha partido para sempre, para o mundo sideral, para a estrela que a esperava desde que nascera.  

Isabel nunca mais foi a mesma, e sentia que em vez de se ter tornado mais meiga, mais tolerante, menos agressiva, sobretudo nas palavras, cada vez se tornava mais agreste, mais revoltada, mais zangada com a vida.
Diziam-lhe: Não há vida sem romance… e a maioria do romance é sempre bem negro.
Ela ouvia, mas não aceitava. Ouvia quem a queria ajudar mas não conseguia que as palavras das amigas lhe ficassem no cérebro… lhe mudassem a maneira de pensar ou de agir.
Tinha momentos em que lhe apetecia partir tudo o que estava à sua volta, partir com um grande estrondo a grande tigela de vidro, que sabia iria partir-se em mil pedacinhos, em mil pedacinhos que se espalhariam pela cozinha, por baixo dos armários, por baixo dos pés, e que depois ainda ia ter que apanhar, varrer todos aqueles vidros minúsculos que se esconderiam nos locais mais incríveis! Não lhe apetecia varrer , queria descanso… queria estar parada e calma, não lhe apetecia andar na cozinha a apanhar vidros despedaçados, minúsculos, invisíveis, bicudos… prontos a espetarem-se-lhe nas solas das pantufas e que se iriam alojar nos dedos dos pés, e de tão pequenos nem os conseguiria ver… só sentiria a dor aguda que lhe provocavam…
Tinha alturas em que lhe apetecia ser um pássaro e voar, voar e não mais voltar. Voar para um mundo onde não fosse obrigada a sorrir, a conviver, a olhar os rostos alegres, tristes , amargurados ou enrugados dos habitantes da vila. Não lhe apetecia ver ninguém… mas isso era anti-social… tinha que dizer bom-dia, olá, cumprimentar e sorrir a todos por quem passava.
 Interessava-se pela  mulher doente do homem da mercearia, por saber como o neto da senhora da retrosaria estava a crescer, quantos dentinhos já tinha, se já gatinhava… e todos, por quem passava,  pensavam que ela estava bem, que apesar do rosto carregado com que se olhava ao espelho e via os olhos tristes e cansados, tinha conseguido ultrapassar a dor da perda da filha… e ela tentava enganá-los... sorrindo, falando, ouvindo os seus problemas e os seus lamentos… mas o que Isabel queria era não estar ali, queria estar fora daquele pequeno mundo…

Quando ia para perto do mar, olhava aquela vastidão de água, olhava e pensava como seria fácil entrar por ali adentro, devagar, muito devagar, e começar a perder o pé, e a sentir que a água iria entrar-lhe nos ouvidos, depois caminharia mais um pouco e ficaria submersa naquela água salgada… e deixar-se-ia ir… e não se debateria porque o que ela queria era ir… ir… ir... para lá do horizonte… mesmo que para isso tivesse que engolir muita água, muita água salgada, amarga, amarga como era a sua vida…



sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O SONHO DE LUISA

 Luísa desde que se levantara sentia-se estranha.

O sonho que tivera naquela noite, tinha-lhe deixado a cabeça meio zonza.
Não se lembrava o que tinha sonhado, queria lembrar-se, mas nada lhe vinha à memória. 
Sentia , ou melhor, lembrava-se vagamente, que havia muita gente, talvez nuns daqueles pic-nics que o pai tanto gosto tinha em organizar.
Havia gente... muita gente que falavam em grupo... o que falariam? 
Crianças brincavam à volta dos grupos de adultos... corriam à roda, corriam em zigzag... riam ... apanhavam-se uns aos outros... havia barulho.
Que pessoas seriam essas?   com quem teria "dormido" ela? no seu inconsciente onde e quem eram essas pessoas desconhecidas?
Como gostaria de saber! onde estavam? o que faziam? o que diziam? quem eram?
O sonho não lhe saiu do pensamento grande parte do dia. 
Zuzu   
massamá, 7 fevereiro 2023

sexta-feira, 20 de março de 2015

DA POESIA AOS PÉS




“Nós nunca estamos verdadeiramente onde estamos
Viajamos.”
Jaime Salazar Sampaio, "O Mar não precisa de poetas"

Após uma aula sobre as marcas dos pés no chão da nossa literatura na Academia Sénior de Estremoz às simpáticas e atentas alunas da minha querida Zuzu e outras maravilhosas pessoas que quiseram aparecer, depois de me inebriar com o ar do sempre reconfortante Alentejo berço, numa cidade particularmente estimulante das minhas memórias, com belas janelas, saudades da presença viva de António Telmo, as sempre misteriosas cegonhas, as nobres oliveiras centenárias, e tantos tantos outros doces recordares, finalmente o meu corpo baixou ao sono, sob um tecto de traves a lembrar o céu das minhas noites em cama de avó. Aos meus pés, Pantufa, a gatinha da Zuzu e do Zé, deitou-se poeticamente sobre a manta de rosetas e ali ficou toda a noite e velar ambos os sonos: o meu e o seu silencioso ronronar.
No meu ouvido adormecido, reverberava ainda um dos poemas lidos na aula:
"TOMÉ NATANAEL
Leva nas mãos o arco
E às costas o violino
Grande como um barco.
A música é maior do que o menino.
Mas sem esforço ou cansaço
O leva pela estrada o infinito
E à distância de um só seu passo
Descuidadamente finito.
A música não pesa
Nem o som que conduz
Por isso a estrada é um rasgo de luz."
António Telmo

sexta-feira, 6 de março de 2015

Do Tempo da Outra Senhora: Universidade Sénior de Sousel

Do Tempo da Outra Senhora: Universidade Sénior de Sousel: A mesa do Encontro. Hernâni Matos, Zulmira Baleiro e Joana Reis.  A Universidade Sénior de Sousel vem promovendo mensalmente encontro...

Hemáni Matos



Notas biográficas enviadas pelo meu amigo Hernâni Matos para preparação da Conversa com ... do dia 24 de Fevereiro de 2015


Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que é recolector de objectos materiais que fazem vibrar as tensas cordas de violino da sua alma. Nessa conjuntura se tornou filatelista, cartofilista, bibliófilo, ex-librista e seareiro nos terrenos da arte popular, muito em especial a arte pastoril e a barrística popular de Estremoz.

Respigador nato, cão pisteiro, farejador de coisas velhas, o seu olhar cirúrgico procede sistemática e metodicamente ao varrimento de scanner no mercado das velharias em Estremoz, no qual é presença habitual e onde recoleta objectos que duma forma virtual, pré-existiam no seu pensamento,

O fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levam-no a procurar o convívio de camponeses, artesãos e poetas populares, com os quais procura aprender e partilhar saberes.

A arte pastoril, um dos traços mais marcantes da identidade cultural alentejana, integra as suas memórias materiais de recolector. Para além do acto da colheita e mais que o fascínio da posse, importa-lhe a possibilidade de dissecação de cada peça recolhida e a cumplicidade com o autor no próprio acto de criação, constituindo um registo para memória futura e uma afirmação vigorosa da identidade cultural transtagana.

Perfilha há muito a ideia de que é necessário estabelecer pontes de entendimento entre as pessoas, Já que a partilha cúmplice de ideias e valores comuns, viabiliza a edificação conjunta de arquitecturas, facto que induzirá e consolidará laços de união entre os intervenientes.

Uma das muitas coisas que partilha com os outros é a escrita, instrumento de libertação do Homem. Filho de alfaiate, aprendeu a alinhavar palavras, que permitem cerzir ideias com que se propagam doutrinas. Esse o sentido da sua intervenção cívica,

Escritor, jornalista e blogger intervém em domínios como a História Postal, a História Popular de Estremoz, a Etnografia e a Cultura Popular Alentejana, publicando textos, apresentando comunicações e montando exposições temáticas e iconográficas.

Furiosamente independente, incisivo e cáustico quanto baste, mas sempre preciso. Procura levar tudo às últimas consequências e como franco-atirador do pensamento e da acção, busca fazer o varrimento da transversalidade dos saberes.

Depois disso, a síntese dialéctica é um ovo de Colombo nascido no cú da galinha da sua cabeça.

A AVÓ DOLORES





A sensação de perda é terrível. Viemos ontem de Amareleja,pois nós e os teus pais decidimos ficar mais um dia, para deixarmos as contas organizadas e a casa mais ou menos em ordem. A casa ficou fechada... até ver....
A D. Rosa, que ia dormir com a avó Dolores diariamente, foi buscar os edredons e as coisas pessoais e eu e a tua mãe ainda estivemos a conversar com ela um pouco. Ela já dormia lá a casa com a avó há 2 anos e gostava muito da avó Dolores, diz que sempre se deram muito bem e que a avó tinha um feitio tão bom que nunca houve nada entre elas; pelo contrário , a avó Dolores nos seus 90 e muitos anos tinha uma atitude de uma pessoa nova, sem implicar, sem ser rabugenta, sempre com uma atitude simpática, sorridente e bem disposta. O único inconveniente era a falta de ouvido, o que junto à sua característica de pessoa pouco faladora, fazia com que muitos serões passassem a olhar para a televisão ( a verem a telenovela que seguiam)  e  pouca conversa havia entre elas. 
Vai deixar-nos muitas saudades, pois foi sempre aquela pessoa, discreta, mas atenta aos outros. Foi uma avó fantásticas para os netos e todos vocês (netos)  têm óptimas recordações dela ( os bolos que tu fazias com ela! a disponibilidade constante para com todos nós, os almoços e jantares fantásticos que nos oferecia! as pupias que  logo pela manhã ia comprar à padaria para que quando nos levantássemos tivéssemos pão fresco e bolos quentes para o pequeno almoço) tantas e tantas atenções que ela nos proporcionava... sem um ar de cansado, sem um ar de enfado, sem uma palavra mais brusca.
Todos nós vamos recordar a avó Dolores como aquela pessoa de coração muito bondoso, sempre disponível para os outros, sempre com um sorriso meigo a receber-nos ao portão da casa, a preparar as refeições na cozinha do quintal, andando (correndo tanto de inverno como de verão) de uma cozinha para a outra, pelo menos uma boa dúzia de vezes ( por refeição!) para fazer a refeição que tinha destinado para nós. Quantas e quantas vezes eu lhe pedi que pusesse todos os ingredientes na cozinha nova e que começasse a cozinhar no fogão dessa cozinha, porque era muito cansativo andar de um lado para o outro: faltava uma frigideira ia-se à cozinha, faltava uma tigela ia-se à cozinha, faltava a margarina ia-se ao frigorífico que estava na cozinha, faltava uma colher e tínhamos que ir buscá-la à cozinha!!) eu ficava mesmo enervada com a situação, e a avó Dolores desvalorizava a situação e ainda se ria por eu estar sempre a refilar!!!
A avó Dolores é de uma geração ( que vai acabar com estas pessoas) que se habituou a sacrificar-se pelos outros, que se entregou uma vida inteiro para proporcionar aos outros bem estar, serenidade e alegria. 
Gostava muito que todos os netos escrevessem um pequeno texto a lembrar episódios  passados com a avó Dolores, era a melhor maneira de a homenagearmos e de perpetuarmos a sua memória  para que os mais pequeninos como o Xavier, a Joana e até o Tiago viessem a conhecer através das nossas palavras esta mulher maravilhosa, esposa dedicada e apaixonada, mãe sempre presente na vida dos filhos e mais tarde das noras ( que a adoptámos como mãe) , uma mulher que só dizia o indispensável, sabia ouvir e escutar e que não era pessoa para dar muitos conselhos, ouvia, escutava e por vezes limitava-se a sorrir...
A avó Dolores partiu no dia 25 de Fevereiro de 2015 às 6 horas da manhã, no Hospital de Stª Luzia, em Elvas