quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A PORTA DA CASA DE MEUS PAIS

A porta de entrada da casa onde vivi desde o ano de idade até à minha adolescência é uma porta em madeira, envernizada, de duas partes, que abrem ao meio. Tem um postigo de cada lado, com postigos de vidro, que se podem abrir nos dias quentes de verão ou quando queríamos saber quem é que nos estava a bater à porta, a horas tardias. Os postigos são protegidos com grades em ferro forjado que lhe dão uma certa majestade  Por cima, tem uma “bandeira” com uma grade em ferro forjado, por onde entra a luz do sol .
Há noite, os ferrolhos de cima e de baixo são puxados para que haja segurança, e nos sintamos seguros dentro da casa.
A fechadura era já de pique-porte. Por isso a chave é uma chave pequena, que abre com alguma dificuldade a porta. Tem que se dar um certo jeito, para que a fechadura se abra, sempre a conheci assim...
Quando alguém quer entrar em casa, bate num batente em forma de “mãozinha”, cujas pancadas ecoam por toda a casa.
Não é uma porta muito larga, até posso dizer que é estreita, pois quando queremos passar, de verão ainda se abre razoavelmente, mas de Inverno, como empena, fica uma fresta por onde temos que nos esgueirar e apertar para podermos entrar ou sair da casa.
Esta  porta da casa dos meus pais só era usada de manhã muito cedo, à noite ou durante o fim-de-semana, pois todos as pessoas  que queriam entrar ou sair da casa iam pela porta da loja, que estava sempre aberta, desde as 9 horas da manhã até às 21 horas, hora a que se fechava definitivamente a porta da loja, depois de se varrer e se lavar o chão.
Logo muito cedo, pelas 7 horas da manhã, batia a leiteira à porta, e a minha Tita ia abrir e receber o leite no fervedor; o leite era transportado num cântaro de lata e era medido com uma das medidas também de lata que a leiteira transportava presas umas às outras por um cordel. Ela enchia a medida, que normalmente era a de 1 litro, e com muito cuidado para não entornar uma gota sequer, vertia o leite para dentro do fervedor de alumínio, que era enorme, devia levar 1,5litro ou 2 litros, pois como éramos muitos lá em casa, sempre gastámos bastante leite. Por vezes, as vacas não davam tanto leite como era habitual e a Srª Maria Chica só nos dispensava ¾ de litro, para grande arrelia da minha mãe, que queria que todos nós bebessemos um copo de leite ao pequeno-almoço. O leite era muito forte, tinha sempre muita nata, e por mais que se passasse com o passador, passava sempre para a caneca alguma gordura que sempre me agoniou imenso, ainda hoje detesto a nata do leite.
A porta tem uma caixa para o correio, com uma tampa em ferro que protege a caixa de madeira para onde caem as cartas, quando o carteiro as enfiava na ranhura da caixa de correio. A maioria das vezes, o carteiro ia entregar a correspondência à loja, pois como esta estava aberta e havia sempre alguém para recebê-lo, a minha mãe ou um empregado, o correio era entregue em mão.
A soleira ou portado, tinha uma pedra mármore branquíssima, que era esfregada todos os dias, assim como a rua era varrida todos ops dias, logo pela manhã. A pedras com o uso excessivo começou a ficar desgastada e a fazer uma grande curva por onde entrava muito pó; então, a minha mãe teve a ideia de colocar por cima dessa pedra uma outra pedra mármore e assim ficaram duas pedras em cima uma da outra o que obrigou o portado a subir. Quando vou a entrar ou a sair esbarro sempre nas pedras, pois no meu inconsciente ainda só lá se encontra a primitiva pedra mármore branquissima. Fico sempre irritada quando tenho que passar por lá, pois para além de esbarrar na pedra, também a porta não se abre completamente por estar empenada e é com algum esforço que passamos pelo espaço que a porta nos deixa abrir.
Está velha, tudo está velho, a porta, a casa e até os meus pais que eu recordo com imensa saudade ainda jovens, à porta da rua a verem-me a mim e ao meu irmão a andar de bicicleta e a brincar com os amigos e vizinhos da rua. Como eu me lembro da alegria no interior da casa, quando se ouviam as pancadas da “mãozinha” e sabíamos que vinham a chegar os tios e as primas de Estremoz. Os carros ficavam do outro lado da rua, no recanto que ainda hoje lá existe, junto à casa do prima Maria Inácia, e nós íamos numa enorme excitação abrir a porta, às visitas que vinha almoçar, lanchar ou simplesmente passar a tarde, que terminava sempre com um lanche na mesa de pedra mármore do alpendre ou do quintal.

Quando eu era pequena, adorava andar descalça no alcatrão a escaldar da rua, então descalçava as sandálias, colocava-as atrás da porta e lá ia eu toda contente jogar ao avião, à apanhada ou ao às 5 pedrinhas . Andar descalça dava-me uma enorme sensação de liberdade. Quando a minha mãe via as sandálias atrás da porta, chamava-me muito zangada  e alguma vezes, apanhei no rabo, por ter aquela mania de me descalçar. No verão, o chão das diversas dependências da casa era de cimento vermelho, de mosaicos por isso era muito fresco, eu adorava andar descalça, mas nunca me deixavam porque podia ficar com anginas. A minha vontade de andar descalça levou-me muitas vezes a levar uns sopapos da minha mãe, que tinha uma verdadeira paranóia quando me via descalça, pois segundo ela podíamo-nos constipar. Fui de tal maneira repreendida que hoje não sei andar descalça em casa. Mal tomo banho enfio logo uns chinelos e quando me levanto da cama tenho logo ali uns chinelos para calçar, mas descalça é que eu não sou capaz de andar!!!!

A JANELA


As janelas da casa da minha infância nunca me despertaram grande interesse. Há uma janela no quarto de meus pais e outra na sala de jantar São pequenas, estreitas e ficam muito  altas em relação ao chão, e por isso, mandaram fazer uns estrados em madeira de 25 centímetros de altura por 30 de largura, colocados nos vãos das janelas, para que mais facilmente se chegasse à janela e se pudesse olhar cá para fora. As janelas não são airosas nem alegres, e por isso, a luz que por elas entra não é muito forte, o que dá às duas divisões um ar triste e pouco iluminado.  
Quando queremos ver algo que se passa na rua, temos que subir para o estrado, e de cima deste, podemos então, olhar a rua. Isso, sempre fez que eu nunca gostasse daquelas janelas. De dentro para fora, quando estamos sentados à camilha não vemos nada do que se passa lá fora. Se ouvimos algum barulho diferente, então, lá temos que subir para o estrado, abrir a janela e espreitar lá para fora. De fora para dentro, vive-se a mesma situação, como são muito altas, ninguém pode vir e espreitar à janela, não se vê nada cá para dentro.
Quando eu era muito pequena, gostava de brincar com as minhas bonecas no estrado da janela da casa de jantar, sentava-me ali e passava algum tempo entretida a brincar, mas não muito tempo, porque aquele lugar não tinha sol e eu sentia-o um espaço escuro e fechado...
Aos Domingos, as amigas ou as primas da minha mãe vinham lanchar com ela, então depois do lanche, nas tardes sem chuva, punham-se à janela, onde só cabem duas pessoas, e por isso quando era mais gente, tinham que fazer à vez. Lembro-me de vê-las com os seus melhores vestidos, muito bem penteadas e algumas delas, até se atreviam a pôr um pouco de “rouge” ou de pó-de-arroz, mas nunca pintavam os lábios, pois isso não era de “bom tom” numa senhora casada.
Quando eu tinha os meus cinco ou seis anos de idade, veio para Casa Branca um casal, o Sr. Escobar que era empregado de escritório do Sr. Martinho Rovisco e a D. Rosinha, uma jovem mulher muito bonita, muito elegante, que vestia muito bem e se arranjava como uma senhora da cidade. Penteava-se com uma linda trança que era o enlevo de toda a gente, tinha uma cara muito bonita que as pinturas ajudavam a realçar. Faziam um casal muito bonito, muito elegante, eram jovens e muito bem dispostos. Tinham um filho, o Sérgio, que era da minha idade. Os meus pais fizeram amizade com eles. Todas as tardes de Domingo, os três vinham para nossa casa, onde lanchavam e jantavam. A minha mãe gostava imenso da companhia da D. Rosinha que era mais evoluída que a maioria das amigas de minha mãe, e por isso lhe dava muitos conselhos sobre as modas daquela estação, cremes para o rosto, e até sugestões para se começarem a pintar... de culinária e sobre a decoração da casa... lembro-me que nessa época a minha mãe começou a dar mais atenção à maneira como se arranjava e começou a usar creme de beleza na cara.
Há um episódio muito engraçado, que ainda hoje é falado aqui em casa. Quando se ia a Lisboa, a viagem era de quatro a cinco horas, na furgoneta de meu pai. Então tínhamos que nos levantar por volta das quatro ou cinco horas da manhã, para se chegar a Lisboa pela manhã. Eu nesse dia não ia, estava a dormir no meu quarto. A minha mãe andava a preparar-se e a arranjar-se para saírem o mais cedo possível. A minha mãe chegou ao meu quarto, com as pressas do costume e pergunta-me: - “Oh filha, onde é que está o creme para a cara?” e eu muito ensonada, disse-lhe: “ Oh mãe, está ali!” e apontei para uma das gavetas do psiché que havia no meu quarto. A minha mãe abre a gaveta e vê outro creme e não o que ela procurava, então muito rapidamente diz: “Oh filha não é este, é Benamor!!!!”  . Sempre que estamos a falar de cremes de beleza, vem esta “história” à baila “ Oh filha é  Benamor!!!” é uma risota, pois vem-nos à memória os dias felizes que vivíamos naquela época, onde os meus pais eram um jovem casal, divertido, muito trabalhadores mas ao mesmo tempo muito divertidos, e eu e o meu irmão éramos duas crianças saudáveis, bem dispostas e muito, muito felizes.