terça-feira, 27 de maio de 2014

DESLOCADOS

Há algum tempo que vinha a conduzir. Entrou numa povoação e apeteceu-lhe fazer uma pausa para um café. Entre as árvores que ladeavam a estrada viu um café. Parou.
Lá fora o sol era intenso. Isabel entrou. Lá dentro o ambiente era taciturno. Sentou-se;  pesados reposteiros  tapavam as enormes janelas. Sanefas enormes do mesmo tecido, decoradas com drapeados. Os cortinados muito compridos do tecto ao chão, eram de um tecido grosso, de seda azul ou verde escuro com flores , já bastante desbotado.. Num quarto ou numa sala  talvez ficassem menos mal, mas ali não estavam a condizer com o espaço.  Estavam no lugar errado. Emprestavam ao local uma estranheza. 
Duas mesas estavam ocupadas, por dois casais que se via serem marido e mulher, e clientes habituais da casa.O casal de cerca de 70 anos estava tranquilamente sentado na sua mesa, bebendo o café e com ar de quem se sentia ali bem. A mulher do casal mais novo, mas também de meia idade estava calmamente a comer um bolo e a beber café.
Por detrás do balcão estava uma mulher. Teria  60 anos, a atirar para o forte,  muito pouco atraente. 
As feições eram regulares, nem bonita nem feia. Mas, o que mais chamou a atenção de Isabel foi o cabelo e o penteado. Liso, muito comprido, caído até ao meio das costas, pintado de preto asa de corvo, com uma raiz de cabelos brancos que teimava a aparecer uma semana depois de o pintar, risca ao meio, preso com um gancho de pedras de vidro, muito brilhantes, de cada lado, uma franja rala caída na testa. 
Todo o conjunto era estranho. Nada combinava com o seu aspecto de matrona, de rosto marcado pelos anos e pela idade.
Vestia uma blusa de padrão de leopardo, de malha de seda muito justa que lhe acentuava o estômago proeminente e uma saia de crepom preta,  bordada com lantejoulas e missangas, pelo joelho, onde a barriga sobressaía. Sapatos/sandália de tiras, enfiados nos pés.
A mulher parecia ter saído de uma casa de prostitutas, da bilheteira de um circo, de um lugar algures no universo....
Isabel olhava para aquela mulher de olhar triste, que discretamente e sem alarido servia os clientes;  pensava: quem  será esta mulher? porque se prepara e se veste de uma maneira tão diferente da maioria das mulheres da região?!  Como aparece aqui num café à beira da estrada? Não deve ter sido fácil enfrentar as críticas das mulheres maldizentes da vila, que estão sempre à espreita de uma oportunidade para criticar tudo e todos. Falar da vida alheia é o que elas fazem sempre que se encontram umas com as outras. 
Pagou e partiu. A mulher e o café não lhe saíam da cabeça... durante muito tempo não lhe saíram do pensamento... 
Cortinados com sanefa como os do café
Zuzu
Casa Branca,27 Maio 2014