sexta-feira, 6 de março de 2015

Do Tempo da Outra Senhora: Universidade Sénior de Sousel

Do Tempo da Outra Senhora: Universidade Sénior de Sousel: A mesa do Encontro. Hernâni Matos, Zulmira Baleiro e Joana Reis.  A Universidade Sénior de Sousel vem promovendo mensalmente encontro...

Hemáni Matos



Notas biográficas enviadas pelo meu amigo Hernâni Matos para preparação da Conversa com ... do dia 24 de Fevereiro de 2015


Desde os longínquos tempos do bibe e do pião que é recolector de objectos materiais que fazem vibrar as tensas cordas de violino da sua alma. Nessa conjuntura se tornou filatelista, cartofilista, bibliófilo, ex-librista e seareiro nos terrenos da arte popular, muito em especial a arte pastoril e a barrística popular de Estremoz.

Respigador nato, cão pisteiro, farejador de coisas velhas, o seu olhar cirúrgico procede sistemática e metodicamente ao varrimento de scanner no mercado das velharias em Estremoz, no qual é presença habitual e onde recoleta objectos que duma forma virtual, pré-existiam no seu pensamento,

O fascínio da ruralidade e o culto da tradição oral, levam-no a procurar o convívio de camponeses, artesãos e poetas populares, com os quais procura aprender e partilhar saberes.

A arte pastoril, um dos traços mais marcantes da identidade cultural alentejana, integra as suas memórias materiais de recolector. Para além do acto da colheita e mais que o fascínio da posse, importa-lhe a possibilidade de dissecação de cada peça recolhida e a cumplicidade com o autor no próprio acto de criação, constituindo um registo para memória futura e uma afirmação vigorosa da identidade cultural transtagana.

Perfilha há muito a ideia de que é necessário estabelecer pontes de entendimento entre as pessoas, Já que a partilha cúmplice de ideias e valores comuns, viabiliza a edificação conjunta de arquitecturas, facto que induzirá e consolidará laços de união entre os intervenientes.

Uma das muitas coisas que partilha com os outros é a escrita, instrumento de libertação do Homem. Filho de alfaiate, aprendeu a alinhavar palavras, que permitem cerzir ideias com que se propagam doutrinas. Esse o sentido da sua intervenção cívica,

Escritor, jornalista e blogger intervém em domínios como a História Postal, a História Popular de Estremoz, a Etnografia e a Cultura Popular Alentejana, publicando textos, apresentando comunicações e montando exposições temáticas e iconográficas.

Furiosamente independente, incisivo e cáustico quanto baste, mas sempre preciso. Procura levar tudo às últimas consequências e como franco-atirador do pensamento e da acção, busca fazer o varrimento da transversalidade dos saberes.

Depois disso, a síntese dialéctica é um ovo de Colombo nascido no cú da galinha da sua cabeça.

A AVÓ DOLORES





A sensação de perda é terrível. Viemos ontem de Amareleja,pois nós e os teus pais decidimos ficar mais um dia, para deixarmos as contas organizadas e a casa mais ou menos em ordem. A casa ficou fechada... até ver....
A D. Rosa, que ia dormir com a avó Dolores diariamente, foi buscar os edredons e as coisas pessoais e eu e a tua mãe ainda estivemos a conversar com ela um pouco. Ela já dormia lá a casa com a avó há 2 anos e gostava muito da avó Dolores, diz que sempre se deram muito bem e que a avó tinha um feitio tão bom que nunca houve nada entre elas; pelo contrário , a avó Dolores nos seus 90 e muitos anos tinha uma atitude de uma pessoa nova, sem implicar, sem ser rabugenta, sempre com uma atitude simpática, sorridente e bem disposta. O único inconveniente era a falta de ouvido, o que junto à sua característica de pessoa pouco faladora, fazia com que muitos serões passassem a olhar para a televisão ( a verem a telenovela que seguiam)  e  pouca conversa havia entre elas. 
Vai deixar-nos muitas saudades, pois foi sempre aquela pessoa, discreta, mas atenta aos outros. Foi uma avó fantásticas para os netos e todos vocês (netos)  têm óptimas recordações dela ( os bolos que tu fazias com ela! a disponibilidade constante para com todos nós, os almoços e jantares fantásticos que nos oferecia! as pupias que  logo pela manhã ia comprar à padaria para que quando nos levantássemos tivéssemos pão fresco e bolos quentes para o pequeno almoço) tantas e tantas atenções que ela nos proporcionava... sem um ar de cansado, sem um ar de enfado, sem uma palavra mais brusca.
Todos nós vamos recordar a avó Dolores como aquela pessoa de coração muito bondoso, sempre disponível para os outros, sempre com um sorriso meigo a receber-nos ao portão da casa, a preparar as refeições na cozinha do quintal, andando (correndo tanto de inverno como de verão) de uma cozinha para a outra, pelo menos uma boa dúzia de vezes ( por refeição!) para fazer a refeição que tinha destinado para nós. Quantas e quantas vezes eu lhe pedi que pusesse todos os ingredientes na cozinha nova e que começasse a cozinhar no fogão dessa cozinha, porque era muito cansativo andar de um lado para o outro: faltava uma frigideira ia-se à cozinha, faltava uma tigela ia-se à cozinha, faltava a margarina ia-se ao frigorífico que estava na cozinha, faltava uma colher e tínhamos que ir buscá-la à cozinha!!) eu ficava mesmo enervada com a situação, e a avó Dolores desvalorizava a situação e ainda se ria por eu estar sempre a refilar!!!
A avó Dolores é de uma geração ( que vai acabar com estas pessoas) que se habituou a sacrificar-se pelos outros, que se entregou uma vida inteiro para proporcionar aos outros bem estar, serenidade e alegria. 
Gostava muito que todos os netos escrevessem um pequeno texto a lembrar episódios  passados com a avó Dolores, era a melhor maneira de a homenagearmos e de perpetuarmos a sua memória  para que os mais pequeninos como o Xavier, a Joana e até o Tiago viessem a conhecer através das nossas palavras esta mulher maravilhosa, esposa dedicada e apaixonada, mãe sempre presente na vida dos filhos e mais tarde das noras ( que a adoptámos como mãe) , uma mulher que só dizia o indispensável, sabia ouvir e escutar e que não era pessoa para dar muitos conselhos, ouvia, escutava e por vezes limitava-se a sorrir...
A avó Dolores partiu no dia 25 de Fevereiro de 2015 às 6 horas da manhã, no Hospital de Stª Luzia, em Elvas