domingo, 16 de setembro de 2007

CRÓNICA DA ZU

MULHERES DE CORAGEM…

Há quanto tempo, ando para escrever uma crónica! Os dias vão passando… a sensação de culpa vai aumentando… e sem me aperceber… passam os dias... vêm os trimestres… sai o boletim... e a minha crónica não aparece… Sinto-me em falta para com os leitores do Boletim da LPCDR!
Há cerca de 8 dias, recebi um e-mail da Liga, que despoletou em mim o desejo de retomar o meu contacto com os leitores.
No seu e-mail, a Vanda pedia-me para colaborar com a Elsa Frazão, doente de AR, na elaboração da sua dissertação de mestrado sobre “ O doente e a dor crónica, com doença reumática” não será exactamente este o título do projecto, mas anda lá perto! Respondi de imediato à Elsa! de coração aberto… afinal somos um grupo de pessoas, unidas pelo mesmo problema! – as doenças reumáticas crónicas – disse-lhe que me dispunha a colaborar e a participar no seu projecto de mestrado.
Hoje, recebi a resposta da Elsa ao meu e-mail. Ela começa por escrever:
“Cara Zuzu,
Receber o seu e-mail, deixou-me emocionada … e daí alguma dificuldade em responder de imediato.”. Depois fala-me com uma enorme coragem da sua situação, com um enorme entusiasmo sobre o motivo que a levou a fazer o projecto da dissertação de mestrado em doenças reumáticas, com uma consciência grande da necessidade de divulgar o sofrimento dos doentes de doenças reumáticas crónicas…E as suas palavras ( duas folhas A4!) vieram confirmar-me aquilo que há muito eu já sabia! Como é importante e nunca é de mais repeti-lo, enaltecer o/a doente reumático, pois ele/ela é um doente muito especial, pela sua força, pela sua coragem, pela sua determinação, pela sua inteligência , pela coragem em continuar a desempenhar as tarefas que anteriormente ao aparecimento da doença realizava, pela sua coragem em não se deixar abater…
Há muitas doenças reumáticas; entre elas está a Artrite Reumatóide que é duas a três vezes mais frequente nas mulheres do que nos homens!
O doente reumático é um doente especial, muito, muito especial … raramente ( eu tinha escrito “nunca”, mas às vezes a doença é mais forte do que a coragem do doente!) se deixa abater pela doença… raramente deixa que a doença seja mais forte do que a sua vontade… raramente “mostra” a dor física (aguda e persistente ) que está a sentir no momento… frequentemente, enfrenta com uma coragem enorme a necessidade de mais uma operação cirúrgica…aceita, corajosamente, a deformação das articulações das mãos e dos pés…enfim… aceita com coragem, resignação e força de vontade a doença crónica, que vai deixando as suas marcas, nos ombros, nas mãos, nos joelhos, nos pés… ano após ano!
Desde que em 1995, foi diagnosticada, a Artrite Reumatóide à Salomé, eu tenho acompanhado, apesar de viver longe dela, a evolução da doença, a procura incessante de novos tratamentos, o desgaste provocado pela medicação e, sobretudo, vejo e “sinto” o esforço enorme da Salomé, para vencer a doença… sem nunca desistir…
Mas, infelizmente, os sintomas e os sinais fazem-se sentir e notar cada vez mais, na jovem, bonita, elegante e simpática Salomé.
A Salomé tem sofrido tudo isto que o artigo sobre AR, da Reader’s Digest refere: “ As articulações atingidas tornam-se inchadas, vermelhas, quentes, muito dolorosas e incapazes de se mobilizar. Os tecidos à roda da articulação também se podem apresentar inflamados, o que conduzirá ao enfraquecimento dos ligamentos, tendões e músculos dessa região. As articulações dos dedos das mãos são as que mais frequentemente se encontram envolvidas, do que resulta uma diminuição da faculdade de preensão. Também é vulgar o inchaço do punho e a síndroma do canal cárpico (formigueiro e dores nos dedos causados pela compressão do nervo mediano). A tenossinovite (inflamação muito dolorosa da bainha dos tendões) pode revelar-se no punho e os dedos ficarem brancos quando expostos ao frio, fenómeno chamado doença de Raynaud. O envolvimento dos pés provoca dores nos dedos, tornozelos e arcos plantares. Em alguns casos, aparecem nódulos moles situados debaixo da pele que recobre certas superfícies ósseas; noutras, manifesta-se uma bursite, ou seja a inflamação de um saco contendo líquido situado nas proximidades de uma articulação. Quando o joelho está atingido, pode surgir atrás dele uma tumefacção contendo líquido, conhecida por quisto de Baker. Muitos doentes sentem-se fatigados em resultado da anemia que acompanha vulgarmente esta doença. É habitual a debilidade de movimentos durante a manhã, podendo os doentes precisarem até de ajuda para saírem da cama e se vestirem. “

Apesar de tudo isto, a Salomé não desiste… neste momento está a fazer a sua tese de doutoramento. E com ela, corajosas, fortes e persistentes a enfrentar a doença estão a Sandra, a Elsa, a Glória, a Mariana, a Fernanda, a Dulce, a … , a …, a …, a …. jovens mulheres que diariamente convivem com a doença reumática crónica e com a Artrite Reumatóide e que são um exemplo de coragem, de aceitação da doença, de perseverança para todos nós, que com elas, diariamente, convivemos.


Casa Branca, 9 de Setembro de 2007

Até breve
A amiga Zu

HOJE OS SINOS DOBRAM...

Hoje os sinos dobram…Hoje os sinos dobram em Casa Branca.
Em Casa Branca, os sinos da Igreja Matriz choram… choram um dos seus filhos que mais a amava.
Como o tio amava a sua Casa Branca!…
A aldeia das casas branquinhas; as pessoas com quem sempre conviveu na infância, na adolescência e em adulto, sempre tiveram um lugar muito especial no seu coração.
A sua paixão pelas coisas da aldeia, o seu apego às tradições, alimentaram a sua inspiração de artista… assim surgiram os contos, surgiram as poesias, surgiram as crónicas e agora mais tarde, os quadros a óleo, onde o branco da cal, os verdes dos campos, os vermelhos das papoilas, os amarelos dos malmequeres aparecem em todo o seu esplendor.
A luta constante pela perfeição, o seu perfeccionismo inato, o desejo permanente de fazer sempre bem e melhor, fizeram que as obras que nos deixa, não fossem em maior número … era um eterno insatisfeito, era um constante desafiador do fazer sempre bem e melhor.
Tudo que o tio escrevia, pintava, para mim estava bom, mesmo perfeito, e eu dizia-lhe: “Tio isso está lindo! esses versos estão belíssimos… esse quadro está muito bonito… as cores estão muito bem conjugadas!…” e o tio sempre exigente consigo, olhava e o seus expressivos olhos azuis mostravam uma certa incredulidade… e dizia-me que tinha que dar um retoque aqui, um retoque ali… como o artista verdadeiro para quem a obra nunca está acabada, pronta… nunca estava tão bem como o tio a idealizava…
Hoje, os sinos choram em Casa Branca… pelo meu tio Zé, aquele meu tio meigo, atencioso, que tinha sempre uma história para contar, que me ofereceu os meus primeiros livros, que me ensinou a ver o mundo com os olhos das pessoas despertas e sensíveis para as cores da natureza, para os cheiros do campo e do mar, para as coisas belas e insignificantes…A si, lhe devo a minha sensibilidade para as artes, para a música, para a pintura, para o teatro, para a leitura, para conversar e trocar ideias com as pessoas …
Hoje os sinos dobram em Casa Branca… porque nos estamos a despedir do Homem, com H grande, do cidadão íntegro, do democrata, do trabalhador, do lutador e do apaixonado por tudo e por todos…

Casa Branca, 27 de Março de 2007

HOMENAGEM A JOSÉ FALCATO VARELA

HOMENAGEM A JOSÉ FALCATO VARELA

Na sua casa de Lisboa, faleceu no dia 27 de Março de 2007, José Falcato Varela, com 75 anos de idade, após alguns anos de doença.
Grande apaixonado e amante do Alentejo e com tudo o que se lhe relacionasse, sempre dedicou os seus tempos livres à fotografia, à escrita, às viagens pelas aldeias e cidades, aos passeios pelos campos verdejantes e às pessoas do seu Alentejo.
Saiu, com 18 anos, de Casa Branca, aldeia onde nasceu e viveu a sua infância, e foi trabalhar como empregado de escritório, em Estremoz.
Em 1960, casou com Maria Emília Fragoso Chouriço, natural de Estremoz ; o casal foi viver para o Bairro de Santo António, que na altura, começava a tomar forma, na periferia da cidade. Aí constituíram família e nasceram os filhos.
Em Estremoz, começou a conviver com a elite intelectual da cidade e aí, continuou os seus estudos, desenvolveu e aperfeiçoou o seu gosto pelo cinema, pela fotografia, pela leitura e pela escrita; era um frequentador assíduo e apaixonado das actividades lúdicas e criativas que se realizavam na pacata cidade de Estremoz. Iniciou a publicação dos seus artigos, crónicas, contos e poesia, nos Brados do Alentejo, no Almanaque Alentejano e noutros jornais regionais.
Este eterno apaixonado, pelas tradições, usos e costumes do Alentejo, pela gastronomia alentejana, pelo convívio e conversa entre amigos, com quem, tanto podia trocar opiniões sobre um livro, como falar das festas anuais da aldeia, como falar da família, era um bom ouvinte e um grande conversador.
No início dos anos 70, devido ao fecho da empresa onde sempre trabalhara, decidiu procurar emprego em Lisboa, e mudou-se para a capital com a família.
Empregou-se como chefe de escritório, e ao mesmo tempo, continuou os seus estudos, ingressando na universidade como trabalhador-estudante; nos anos 80, depois de muito trabalho, muito estudo e muita luta, licenciou-se em Gestão e Administração de Empresas.
Em paralelo com toda a sua actividade profissional e de estudante, continuou a escrever e a publicar os seus escritos, crónicas, contos e poesia em jornais e revistas. Finalmente, publicou o seu livro de contos Aldeia Branca; quem lê os seus contos não pode ficar indiferente, à paixão, à autenticidade narrada da vida das gentes da aldeia, ao realismo expresso e sempre presente em cada palavra, em cada frase, que o autor consegue transmitir.
Os anos passaram, as filhas cresceram, tiraram os seus cursos superiores, casaram, nasceram os netos, que eram a sua maior alegria e orgulho.
Com o seu curso de Gestão e Administração de Empresas passou por vários empregos; o último, foi o de Chefe de Serviços, na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, onde trabalhou e de onde saiu para se reformar.
Infelizmente, não gozou a sua merecida reforma como ele idealizava; sobreveio a doença e o sofrimento físico obrigava-o a abrandar e a ficar cada vez mais em casa. Ano após ano, a sua crescente debilidade física acentuava-se. Mentalmente e psicologicamente manteve-se sempre o mesmo indivíduo lúcido, curioso e interessado, até ao fim dos seus dias.
Manteve o contacto estreito com os amigos e a família, que ele sempre colocava em primeiro plano. Manteve o seu interesse por tudo o que se relacionava com a cultura, com a leitura, com a escrita dos seus textos, com o cinema, com o quotidiano de Portugal. Nestes últimos tempos, recomeçou a pintura a óleo, que já tinha experimentado em adolescente e que nunca mais praticara. Aí, José Falcato Varela revelou, mais uma vez, através dos temas escolhidos, das cores e da técnica muito própria, toda a sua verdadeira alma, a sua sensibilidade e a sua criatividade de artista.
Por tudo o que atrás foi dito, os amigos de José Falcato Varela decidiram juntar-se e prestar-lhe uma derradeira homenagem.
No dia 29 de Setembro de 2007, pelas 16 horas, será descerrada uma lápide, na parede da sua casa, na Rua Conde de Valença, nº 32, onde este homem nasceu, cresceu e viveu.
Convidamos todos aqueles, que o conheceram e que com ele conviveram, a estarem presentes, nesta simples cerimónia.
Texto publicado nos Brados do Alentejo e no Notícias de Sousel
Maria Zulmira Varela Baleiro