quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

PRIMEIRO DIA DA MÃE SEM A MARTA

8 de Maio de 1995

Querida Marta

Passámos o fim de semana em Tavira com a Rita. Foi um fim de semana calmo e sossegado. No Domingo era Dia da Mãe, eu estava triste, mas ao mesmo tempo estava calma por estar com a tua irmã Rita, que faz um esforço para não nos decepcionar e procura ser meiga e receber os meus beijos, apesar de não se manifestar muito. Tu sabes como ela é. Não é muito de grandes efusões nem de grandes manifestações sentimentais, mas como sabe que eu não te tenho a ti, que me davas muitos beijos e muito carinho, ela procura receber os beijos e dar alguns em troca, mas como sabes não são muito espontâneas essas manifestações.

Cada dia que passa, sinto mais a tua falta!... Como gostarias de estar aqui connosco, em casa da Rita ... a casa é muito alegre, muito acolhedora. Tem muito Sol e uma vista lindíssima para a Serra e para a Ria de Tavira. (...)

Hoje de manhã, fomos a Monte Gordo dar uma volta; estivemos numa esplanada na praia, que está povoada de velhos alemães e holandeses felizes com o Sol de Portugal. Depois fomos ver o apartamento do Dr. Borges, para onde costumávamos ir passar férias. Tu eras tão pequenina!... eras tão linda!... adoravas a praia, o mar, o Sol, brincar com os outros meninos!...

A tua lembrança é constante dentro de mim, a tua presença física não se vê, mas eu sinto que tu nos acompanhas para onde quer que nós vamos, tu estás sempre connosco, apesar de não o dizermos uns aos outros.

A viagem de e para o Algarve torna-se muito maçadora e angustiante. Reparo no trajecto que tu tantas e tantas vezes fazias entre Lisboa/Beja e Beja/Lisboa, vejo todos os pormenores da estrada, todos os cafés, todos os locais que rodeiam a estrada e que foram vistos por ti, muitas e muitas vezes.

Por isso, quando ali passo, sinto que a tua presença é mais forte e mais sentida.

Agora, quando chegámos a casa, por volta das 21 horas, telefonou-me a Patrícia, tua prima, dizendo-me que tinha morrido a filha da Maria Beatriz, minha prima e amiga de infância.

Se houver Vida Eterna, tu estás com ela...

A filha da Beatriz chama-se Leonor, tem 18 anos, é uma menina bonita e boa como tu, também ela morreu brutalmente e de uma morte estúpida, como afinal é a morte, estúpida e horrível!

Teve um desastre na Marginal de Cascais, com mais quatro amigas, o carro despistou-se e morreram queimadas dentro do carro. Deve ter sido uma morte terrível, nem teve tempo para fugir à morte, como tu também não tiveste. Tanto que eu te dei força "Força, Marta! Não te deixes vencer pela Morte!... Força Marta, que tu és forte; Marta não te deixes ir porque a Mãe está Aqui!!!

Mas, o meu apelo não chegou até ti, os tentáculos da morte agarraram-te e levaram-te serenamente.

Penso que tu não te apercebeste que estava a chegar o teu fim, foi tão bruscamente, que não tiveste tempo de reagir à morte, e hoje eu estou destroçada e destruída.

A realidade é que para morrermos não precisamos de muito, basta a morte lembrar-se de nós, naquele momento. De ti, a morte lembrou-se tão cedo e eu não consegui afugentá-la!...

Penso no desgosto da Beatriz, no que ela está a sofrer, sinto que deveria estar junto dela para lhe dar um pouco do meu conhecimento de Mãe Sofredora, de Mãe que perdeu uma filha linda, boa, meiga, e que não sabe ainda como reagir à dor.

É tão fácil dizermos aos outros que compreendemos a sua dor; é tão fácil dizermos que avaliamos a sua dor, mas, na verdade, a dor é tão grande, tão grande que só quem passa por uma situação igual é que poderá avaliar o que a outra mãe está a sofrer.

Nunca pensei que se pudesse sofrer tanto, que a angústia e a tristeza fossem minhas companheiras diárias, eu que tanto gostava de rir, de falar, de conviver, hoje convivo com a tristeza, contigo dentro de mim e nada mais me interessa.

Vou dormir, ou melhor, tentar dormir!...

Amanhã de manhã vou acompanhar a minha amiga e procurar dar-lhe um pouco de conforto.

Devia ter-se uma idade para morrer; devia ser proibido morrer-se jovem, com vontade de viver e com muita força de vencer na vida, só se deveria morrer quando tivéssemos a nossa missão cumprida. Tu não pudeste concluir a tua e agora eu choro por saber que tenho que levar o resto da minha existência cheia de tristeza e muita saudade de ti, minha pequenina, minha "castanha", meu amor da mãe.

Beijos da mãe Zuzu

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