sábado, 8 de novembro de 2014

O JANTAR - ONTEM VIVI HISTÓRIA -


A mesa do jantar

Amor, ternura e  cumplicidade 

A nossa oferta: Um almofariz de mármore
Depois do encontro na Biblioteca Municipal de Estremoz sobre a campanha Stop Tortura, Domingos Abrantes e Conceição Matos foram nossos convidados para jantar no restaurante do Hotel Alentejano. Os membros da amnistia não eram em grande número, contudo fomos um grupo muito bem disposto e bem humorado que animámos a conversa durante o jantar.
Domingos Abrantes e Conceição Matos em privado são excelentes conversadores e contadores de episódios, uns rocambolescos (como a fuga de Caxias no Carro blindado de Salazar, que ali estava guardado há anos) outros mais sérios  e tristes como a sua clandestinidade, e as suas prisões  em Caxias.. 
O jantar compôs-se de lombinhos de porco grelhados com batatas fritas e arroz, e "burras" queixadas de porco assadas no forno. Bebeu-se um bom vinho do Monte das Servas.
O jantar prolongou-se até às 11 horas da noite, ninguém tinha pressa de sair dali, pois a conversa estava fantástica. Quantos episódios da vida destas duas extraordinárias pessoas foram ali contados. 
Domingos Abrantes e Conceição Matos estavam em França quando se deu o 25 de Abril de 1974. Então quando Álvaro Cunhal pôde regressar a Portugal eles vieram com ele no avião. Havia uma multidão imensa à espera deles no aeroporto, e a segurança queria que todos saíssem do avião e que Álvaro Cunhal saísse acompanhado pela segurança, mas ele recusou isso. Então saíram do avião os três, Conceição Matos, Álvaro Cunhal no meio e Domingos Abrantes. Foi um delírio, a sala dos VIPs estava apinhada de gente que queria cumprimentá-los e abraçá-los. Houve jornalistas que viram chegar Álvaro Cunhal acompanhado daquela linda jovem mulher de 38 anos, e que diziam que ele vinha acompanhado pela sua esposa! ( Conceição a contar este episódio risse, de olhos alegres e felizes ) 
A da Fuga da Prisão de Caxias contada por Domingos Abrantes e com apartes  e achegas de Conceição Matos, na sua forma meiga e cúmplice de apoiar o marido , e ilustrada na toalha da mesa. 
Não sabia que tinha havido esta rocambolesca fuga da prisão de Caxias, conhecia a fuga de Álvaro Cunhal das prisão de Peniche, mas desta fuga de Caxias nunca tinha ouvido falar. 
Então o casal contou-nos em pormenor a fuga, eu estava de olhos e boca abertos!!! eu estava a ouvir um acontecimento e um facto histórico!!! estava deliciada, assim como todas as minhas companheiras.
Desenho de Domingos Abrantes - A fuga de Caxias e os dias seguintes à fuga
Após a fuga rocambolesca Domingos Abrantes foi refugiar-se numa casa de um grande cineasta, uma casa de gente rica . Deram-lhe roupa para ele se vestir;  ao jantar, comeu com todas as pessoas que viviam na casa, e foi apresentado como um professor universitário que vivia no estrangeiro. As regras de etiqueta eram seguidas a rigor. Havias copos e talheres para tudo! Uma criada fardada e muito aprumada servia à mesa. Quando chegou a vez dele, ele agarrou a travessa para se servir, e a empregada deu um salto para trás pois não esperava aquela reacção. Então ele percebeu que teria que ser a criada a servi-lo. ( desenho redondo com as pessoas sentadas à mesa).
Ficou ali apenas uma noite. No dia seguinte levaram-no para uma casa , de gente trabalhadora e de classe média nos arredores de Queluz. Vivia nessa casa o casal com um filho de cerca de 6 a 7 anos. O chefe de família saíu de manhã para ir trabalhar e ele ficou escondido num quarto. O miúdo apercebeu-se que estava uma pessoa estranha lá em casa, e a mãe disse-lhe que era um tio que tinha vindo a Lisboa. Passado algum tempo, a irmã do marido veio a casa da cunhada e o miúdo disse-lhe que estava um homem escondido no quarto,  ela julgou que ele estivesse a inventar. Quando já se ia embora, o miúdo foi abriu a porta do quarto de rompante e mostrou o homem à tia, que ficou sem palavras! A dona da casa disse que era um  amigo do marido, mas a cena era tão caricata que a cunhada não acreditou e saiu porta fora. Quando o homem veio para casa, a mulher estava muito nervosa e pediu-lhe que levasse dali Domingos Abrantes, que teve que ir dormir para outra casa de outro camarada.
Passados poucos dias, foi levado para França.
O jantar já se estava a prolongar bastante. Éramos os únicos na sala. Volta e meia o empregado entrava e saía, dando a perceber que já eram horas de acabarmos a refeição. Ninguém se atrevia a ir embora. Todos estávamos tão entusiasmados e curiosos com as situações que Domingos Abrantes nos contava que queríamos era ouvir mais e mais... mas o serão teve que terminar...


3 comentários:

rita disse...

Mãe,

Adorei o texto! As histórias são fantásticas e está muito bem escrito.

beijinhos
Rita

mariana teles alface disse...

Magnifica as tertúlias com as nossas gentes que muito fizeram, para que o 25 de Abril de 1974 acontecesse.
Obrigado Zuzu

mariana teles alface disse...

Que belas tertúlias que felizmente agora se voltaram a fazer. Obrigado pela partilha, Zuzu