quinta-feira, 23 de maio de 2013

Quarta-feira, 9 de Abril de 2008

A OFICINA

A oficina era um lugar misterioso onde até eu gostava de me perder...
O meu pai, José Simões Alves, casou na Casa Branca onde era ferreiro. Só o Armando lá nasceu o que me faz pensar que pouco tempo lá morou.
Uma vez em Estremoz, abriu a oficina num terreno enorme que comprara ao tio Carreço. Ainda tinha muralhas e talvez algum barracão e ocupava todo o quarteirão até à Esplanada Parque.Em Parece que fez uma sociedade com o meu tio Júlio Falcato ( pai do Manuel ) e com o Pirra da oficina Pirra. Seria a firma Alves, Pirra e Falcato.
Em princípio, era apenas uma oficina de ferreiro onde me lembro de ver o meu pai à forja e também um operário, o sr. Abel, com uma cara sempre muito enfarruscada onde apenas se distinguia o brilho dos olhos. A sra. Josefa, sua mulher, todos os dias lhe vinha trazer o almoço. E, ou ele não lavavaas mãos para comer, ou a pele tinha absorvido de tal maneira a cor do carvão, que contrastava a sério com o pão que segurava. E muitas vezes lá estava eu à espera da sra. Josefa para assistir ao almoço do sr. Abel.
Nessa altura ainda havia poucos operários. Lembro-me do José da Armanda e também de um rapaz com quem gozavam dizendo-lhe que tinha "ganfanas". Penso que inventaram a palavra mas ele convenceu-se que era qualquer coisa que lhe habitava as sobrancelhas. Um dia em que o chatearam mais, queimou-as para eliminar as "ganfanas"... Aí é que ele foi bem gozado porque, sem sobrancelhas, ficou desfigurado.
Era hábito brincarem com os rapazes que chegavam de novo: mandavam-nos ir buscar o ferro de amolar limas , o de amolar martelos, ou outro qualquer engano de que se lembrassem. Quando chegava ao local onde estaria o objecto pedido, lá estava outro colega que já tinha metido num saco qualquer ferro bem pesado que o novato teria que arrastar de volta para grande gláudio de todos.
Eu via a oficina como um local escuro e sujo embora tivesse dois portões grandes que estavam sempre abertos. O mais pequeno dava para o nosso quintal o que facilitava as visitas diárias.
Penso que a sociedade não durou muito tempo e ficou apenas o meu pai.
O meu pai já tinha ido vendendo a maior parte do terreno, tinha construído a casa onde morávamos e tinha dado ao meu tio António Alves uma parcela para lá construir a sua casa (é agora do Armando Alves).
A nossa casa deve ter sido feita, só o 1º andar, em 1932/1933 porque eu fui a primeira a nascer ali, em Janeiro de 1933. Antes a família morara perto, na rua Vítor Cordon, vulgo de Sto. António.
Nesta altura já o meu pai tinha feito sociedade com o meu tio António Alves: (José Simões Alves-, Lda.).
O meu tio, para além de perceber de mecânica, tinha mais à vontade para falar com os clientes e relacionava-se com os agricultores ricos da região.
Assim, resolveram adicionar uma secção de mecânica e chegaram a trabalhar na oficina 75 operários. Alguns tinham alcunhas. Como havia muitos Zés, era o Zé Pequeno (marido da Adélia), o Zé Pequenino, o Zé Grande e o Zé Homem. Isto para além do Zé Pimpão, do Zé Branco, do Zé da Armanda, já referido e outros de que já não me lembro.
Os meus irmãos, com excepção do Armando e do Aníbal, assim que acabavam o curso na Escola Industrial, (na altura o único estabelecimento de ensino em Estremoz após a Primária), iam trabalhar na oficina: os gémeos Quim e Dâmaso e o José João eram mecânicos e o Jaime era torneiro.
O trabalho no torno fascinava-me. Todos aqueles tornos a cuspirem montes de limalha até que o perfil da peça a tornear fosse o desejado. achava eu que aquele material , que parecia tão leve, todo enroladinho, seria um bom material para brincar. E, tive que fazer muitos cortes nos dedos, antes de me decidir a brincar com qualquer outra coisa...
O Jaime gostava de trabalhar no torno e era bom nesta arte. Muitas vezes torneava peças em madeira.
Quando, no lagar dos Guias, (tia Hermínia e irmãos), substituiram o tronco por uma prensa moderna, ele ficou com uma parte daquele enorme poste de madeira de azinho e fez algumas peças: tabuleiros dos jogos com berlindes (deu-me um), pés de candeeiros, e não sei que mais.
Um dia estava a minha mãe com a prima Chica do Prego, (do Parafuso para o Fernandinho da tia Olga), a estender a massa das filhoses ao lume de chão como era hábito na altura. Eu também queria estender massa mas os paus eram só dois. O Jaime tirou um pedaço de azinho do lume e, passados uns minutos, já eu estava a fazer filhoses. Ainda hoje conservo e uso esse rolo. Não posso é usá-lo na cabeça do marido quando chega a casa de madrugada, porque era morte certa tão pesado é.

Embora o arrazoado já vá longo, o assunto ainda não passou do início. Vão esperando com paciência ( de preferência sentados...), pelo resto.

Beijinhos para todos da tilena

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