quinta-feira, 23 de maio de 2013

A MINHAAVÓ VICÊNCIA

A minha bisavó Vicência  (TEXTO DA PAPU)
Eu não me lembro da minha bisavó.
Ou melhor, lembro-me: dos seus cabelos brancos, do lenço preto que usava sempre, do brilho dos olhos, entalados entre as rugas do rosto, e do vestido preto. Lembro-me dela sempre sentada numa cadeira na sala de jantar da casa dos meus avós, no meio de bocados de tecido e panos cortados, carrinhos de linhas, e, depois, sentada na velha máquina de costura, que na altura não era nada velha.
Ainda tenho nos ouvidos o som da máquina a trabalhar. Também eu cosi muito nela, anos mais tarde. Fiz uma boneca e lençóis e roupas para ela.
Mas não me lembro dela (da minha bisavó) a rir, ou a falar, ou sentada à mesa a comer, num daqueles almoços e jantares em que se reunia toda a família. Não me lembro de a ver connosco, sentada a ouvir rádio, ou a conversar. Aliás, e para falar a verdade, acho que nem sabia lá muito bem quem era aquela senhora velhota sentada na sala sempre a costurar. Claro que me devem ter dito quem era, devem ter-me dito que era a mãe da minha avó, mas eu não devo ter acreditado, e quase de certeza me ri para dentro. Como é que era possível, a minha avó ter mãe? Naquela época ninguém tinha mãe, para além de mim, é claro.
Só me lembro de a ver naquela sala, as linhas a caírem até ao chão, onde eu me entretinha a apanhá-las, bem como aos pedacinhos de pano, que fingia serem lencinhos para as bonecas. E aquelas caixas de costura a abarrotar de cores vivas, deslumbramentos de flores, dedais, e tesouras, muitas tesouras. Todas de pontas redondas. Havia uma de pontas bicudas, assim já muito velha, o metal enegrecido e sem brilho, e que nós não podíamos tocar. Nós, as crianças.
Lembro-me de uma vez em que ela me fez uma roupinha para uma das minhas bonecas. Era um vestido. O tecido era azul escuro às bolinhas brancas. Era muito bonito. Lembro-me da pequena alegria de ter um vestido novo para a boneca (a boneca tinha nome, mas já não sei qual era). Eu adorei vê-la com o seu novo vestido. O pior foi quando tentei despi-lo. É que o vestido tinha sido cosido à volta do corpo da boneca, pelo que era impossível tirá-lo. Fiquei destroçada. A minha brincadeira preferida era vestir e despir a boneca. Um vestido que não se podia despir, aí estava uma coisa sem utilidade nenhuma. E que dizer de uma boneca que está sempre vestida da mesma maneira? Era, sei lá, bem pior do que uma boneca que nunca toma banho. Ou que nunca lava as mãos. O que diriam as vizinhas? E as amigas?
É claro que não tinha importância nenhuma o que diriam as pessoas, mas para mim aquilo era um escândalo. Lembro-me que a boneca ainda ostentou aquele vestido durante algum tempo (para mim foram séculos) e que eu não descansei enquanto não o desfiz à tesourada, para finalmente poder mudar-lhe a roupa.
Lembro-me da noite em que ela morreu. Lembro-me da luz, uma luz quente, alaranjada, que se derramava pelas escadas, e que era coada por um candeeiro de palhinhas, com uma forma oval, que estava pregado na parede. Acho que a luz se misturava com a do sol a pôr-se muito ao longe, apenas uma lâmina vermelha no céu escuro que já deixava entrar a noite, multifacetada pelos rectângulos de vidro da parede das escadas, cada um com um pequeno arco-íris imerso nas sombras das árvores que se agitavam, lá fora. Era essa luz que eu via, deitada na cama, enquanto a minha mãe me dizia o que tinha acontecido. Nessa altura eu não sabia o que era morrer, e devo ter achado que era uma coisa muito mal-cheirosa. Ela explicou-me que a avó estava a dormir e que não ia acordar mais, e por isso teria de ir para debaixo da terra, porque senão o corpo começaria a cheirar mal. Lembro-me que achei isto muito natural e acho que nem fiz mais perguntas. Nessa noite ficámos só as crianças (já não me lembro quem ficou connosco), e era uma coisa mesmo muito estranha e diferente, todos os adultos saírem ao mesmo tempo. Nunca tinha acontecido antes. Era para se despedirem da avó, que nunca mais iam ver. Acho que haviam algumas lágrimas misturadas às vozes em surdina e àquela luz macia e alaranjada, quente como um rissol acabado de sair do forno. Um pequeno sol, na escuridão de toda aquela ausência que eu ainda nem sabia que existia e que tinha nome. Deixei-me ficar no escuro, no quentinho dos cobertores, a réstia de luz a entrar pela porta entreaberta e a poisar numa carícia na alcatifa vermelha, enquanto afugentava as bruxas e os papões, e depressa adormeci, vencida pelo cansaço.




PS: Se alguém tiver por aí uma fotografia da avó Vicência, que a prante aqui, por favor. Agradecida :)

O primo Máximo Rocha Falcato

Na mesma rua e perto do meu avô morava outro primo de ambos, Máximo Rocha Falcato que tinha uma loja de fazendas, como se dizia naquele tempo. O primo Máximo tinha 3 filhos: o José , o Júlio e o Jica . O José Falcato era da minha idade e éramos companheiros de paródia.
Como os pais viviam bem, compraram-lhe uma bicicleta coisa que, por muito que o desejasse, a minha mãe nuca me poderia comprar. E era na bicicleta dele que eu andava muitas vezes mas, quando o passeio era mais demorado, para o Cano ou para o campo e ele também ia, então alugava uma bicicleta ao primo José Tomás.
Infelizmente, o José morreu num desastre de moto quando regressava com um primo dele, o Arnaldo, de um baile de máscaras em Estremoz. Dizem que ainda trazia vestidos os "dominós"-traje de carnaval muito usado naquela época- que, com o vento, lhe tapou a cara, originando o despiste fatal e a morte dos dois.
O Arnaldo era primo direito do Constantino , vivia na casa ao lado e , como o quintais comunicavam este ia muito para lá com a tilena.
Jacinto

Porque estão doentes, porque estão magros, porque estão gordos, tudo a preocupa e está sempre pronta a ajudar.
É uma amiga e é mais que família.
tilena

a



Ora aqui está a árvore geneológica da família Falcato Alves. Muito frondosa para mal de quem a teve que desenhar... Eram tantos os ramos que me esqueci do meu e parece que não faço parte da irmandade. Todos os anos há novos rebentos pelo que se torna difícil a actualização.

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