A porta de entrada da
casa onde vivi desde o ano de idade até à minha adolescência é uma porta em
madeira, envernizada, de duas partes, que abrem ao meio. Tem um postigo de cada
lado, com postigos de vidro, que se podem abrir nos dias quentes de verão ou
quando queríamos saber quem é que nos estava a bater à porta, a horas tardias.
Os postigos são protegidos com grades em ferro forjado que lhe dão uma certa majestade Por cima, tem uma “bandeira” com uma grade em ferro forjado, por
onde entra a luz do sol .
Há noite, os ferrolhos
de cima e de baixo são puxados para que haja segurança, e nos sintamos seguros
dentro da casa.
A fechadura era já de pique-porte.
Por isso a chave é uma chave pequena, que abre com alguma dificuldade a porta.
Tem que se dar um certo jeito, para que a fechadura se abra, sempre a conheci
assim...
Quando alguém quer
entrar em casa, bate num batente em forma de “mãozinha”, cujas pancadas ecoam
por toda a casa.
Não é uma porta muito
larga, até posso dizer que é estreita, pois quando queremos passar, de verão
ainda se abre razoavelmente, mas de Inverno, como empena, fica uma fresta por
onde temos que nos esgueirar e apertar para podermos entrar ou sair da casa.
Esta porta da casa dos meus pais só era usada de
manhã muito cedo, à noite ou durante o fim-de-semana, pois todos as
pessoas que queriam entrar ou sair da
casa iam pela porta da loja, que estava sempre aberta, desde as 9 horas da
manhã até às 21 horas, hora a que se fechava definitivamente a porta da loja,
depois de se varrer e se lavar o chão.
Logo muito cedo, pelas
7 horas da manhã, batia a leiteira à porta, e a minha Tita ia abrir e receber o
leite no fervedor; o leite era transportado num cântaro de lata e era medido com
uma das medidas também de lata que a leiteira transportava presas umas às
outras por um cordel. Ela enchia a medida, que normalmente era a de 1 litro, e
com muito cuidado para não entornar uma gota sequer, vertia o leite para dentro
do fervedor de alumínio, que era enorme, devia levar 1,5litro ou 2 litros, pois
como éramos muitos lá em casa, sempre gastámos bastante leite. Por vezes, as
vacas não davam tanto leite como era habitual e a Srª Maria Chica só nos
dispensava ¾ de litro, para grande arrelia da minha mãe, que queria que todos
nós bebessemos um copo de leite ao pequeno-almoço. O leite era muito forte, tinha
sempre muita nata, e por mais que se passasse com o passador, passava sempre
para a caneca alguma gordura que sempre me agoniou imenso, ainda hoje detesto a
nata do leite.
A porta tem uma caixa
para o correio, com uma tampa em ferro que protege a caixa de madeira para onde
caem as cartas, quando o carteiro as enfiava na ranhura da caixa de correio. A
maioria das vezes, o carteiro ia entregar a correspondência à loja, pois como
esta estava aberta e havia sempre alguém para recebê-lo, a minha mãe ou um empregado,
o correio era entregue em mão.
A soleira ou portado,
tinha uma pedra mármore branquíssima, que era esfregada todos os dias, assim
como a rua era varrida todos ops dias, logo pela manhã. A pedras com o uso
excessivo começou a ficar desgastada e a fazer uma grande curva por onde
entrava muito pó; então, a minha mãe teve a ideia de colocar por cima dessa
pedra uma outra pedra mármore e assim ficaram duas pedras em cima uma da outra
o que obrigou o portado a subir. Quando vou a entrar ou a sair esbarro sempre
nas pedras, pois no meu inconsciente ainda só lá se encontra a primitiva pedra
mármore branquissima. Fico sempre irritada quando tenho que passar por lá, pois
para além de esbarrar na pedra, também a porta não se abre completamente por
estar empenada e é com algum esforço que passamos pelo espaço que a porta nos
deixa abrir.
Está velha, tudo está
velho, a porta, a casa e até os meus pais que eu recordo com imensa saudade
ainda jovens, à porta da rua a verem-me a mim e ao meu irmão a andar de bicicleta
e a brincar com os amigos e vizinhos da rua. Como eu me lembro da alegria no
interior da casa, quando se ouviam as pancadas da “mãozinha” e sabíamos que
vinham a chegar os tios e as primas de Estremoz. Os carros ficavam do outro
lado da rua, no recanto que ainda hoje lá existe, junto à casa do prima Maria
Inácia, e nós íamos numa enorme excitação abrir a porta, às visitas que vinha
almoçar, lanchar ou simplesmente passar a tarde, que terminava sempre com um lanche
na mesa de pedra mármore do alpendre ou do quintal.
Quando eu era pequena,
adorava andar descalça no alcatrão a escaldar da rua, então descalçava as
sandálias, colocava-as atrás da porta e lá ia eu toda contente jogar ao avião, à apanhada ou ao às 5 pedrinhas . Andar descalça dava-me uma enorme sensação de
liberdade. Quando a minha mãe via as sandálias atrás da porta, chamava-me muito
zangada e alguma vezes, apanhei no rabo,
por ter aquela mania de me descalçar. No verão, o chão das diversas
dependências da casa era de cimento vermelho, de mosaicos por isso era muito
fresco, eu adorava andar descalça, mas nunca me deixavam porque podia ficar com
anginas. A minha vontade de andar descalça levou-me muitas vezes a levar uns
sopapos da minha mãe, que tinha uma verdadeira paranóia quando me via descalça,
pois segundo ela podíamo-nos constipar. Fui de tal maneira repreendida que hoje
não sei andar descalça em casa. Mal tomo banho enfio logo uns chinelos e quando
me levanto da cama tenho logo ali uns chinelos para calçar, mas descalça é que
eu não sou capaz de andar!!!!
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