quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A JANELA


As janelas da casa da minha infância nunca me despertaram grande interesse. Há uma janela no quarto de meus pais e outra na sala de jantar São pequenas, estreitas e ficam muito  altas em relação ao chão, e por isso, mandaram fazer uns estrados em madeira de 25 centímetros de altura por 30 de largura, colocados nos vãos das janelas, para que mais facilmente se chegasse à janela e se pudesse olhar cá para fora. As janelas não são airosas nem alegres, e por isso, a luz que por elas entra não é muito forte, o que dá às duas divisões um ar triste e pouco iluminado.  
Quando queremos ver algo que se passa na rua, temos que subir para o estrado, e de cima deste, podemos então, olhar a rua. Isso, sempre fez que eu nunca gostasse daquelas janelas. De dentro para fora, quando estamos sentados à camilha não vemos nada do que se passa lá fora. Se ouvimos algum barulho diferente, então, lá temos que subir para o estrado, abrir a janela e espreitar lá para fora. De fora para dentro, vive-se a mesma situação, como são muito altas, ninguém pode vir e espreitar à janela, não se vê nada cá para dentro.
Quando eu era muito pequena, gostava de brincar com as minhas bonecas no estrado da janela da casa de jantar, sentava-me ali e passava algum tempo entretida a brincar, mas não muito tempo, porque aquele lugar não tinha sol e eu sentia-o um espaço escuro e fechado...
Aos Domingos, as amigas ou as primas da minha mãe vinham lanchar com ela, então depois do lanche, nas tardes sem chuva, punham-se à janela, onde só cabem duas pessoas, e por isso quando era mais gente, tinham que fazer à vez. Lembro-me de vê-las com os seus melhores vestidos, muito bem penteadas e algumas delas, até se atreviam a pôr um pouco de “rouge” ou de pó-de-arroz, mas nunca pintavam os lábios, pois isso não era de “bom tom” numa senhora casada.
Quando eu tinha os meus cinco ou seis anos de idade, veio para Casa Branca um casal, o Sr. Escobar que era empregado de escritório do Sr. Martinho Rovisco e a D. Rosinha, uma jovem mulher muito bonita, muito elegante, que vestia muito bem e se arranjava como uma senhora da cidade. Penteava-se com uma linda trança que era o enlevo de toda a gente, tinha uma cara muito bonita que as pinturas ajudavam a realçar. Faziam um casal muito bonito, muito elegante, eram jovens e muito bem dispostos. Tinham um filho, o Sérgio, que era da minha idade. Os meus pais fizeram amizade com eles. Todas as tardes de Domingo, os três vinham para nossa casa, onde lanchavam e jantavam. A minha mãe gostava imenso da companhia da D. Rosinha que era mais evoluída que a maioria das amigas de minha mãe, e por isso lhe dava muitos conselhos sobre as modas daquela estação, cremes para o rosto, e até sugestões para se começarem a pintar... de culinária e sobre a decoração da casa... lembro-me que nessa época a minha mãe começou a dar mais atenção à maneira como se arranjava e começou a usar creme de beleza na cara.
Há um episódio muito engraçado, que ainda hoje é falado aqui em casa. Quando se ia a Lisboa, a viagem era de quatro a cinco horas, na furgoneta de meu pai. Então tínhamos que nos levantar por volta das quatro ou cinco horas da manhã, para se chegar a Lisboa pela manhã. Eu nesse dia não ia, estava a dormir no meu quarto. A minha mãe andava a preparar-se e a arranjar-se para saírem o mais cedo possível. A minha mãe chegou ao meu quarto, com as pressas do costume e pergunta-me: - “Oh filha, onde é que está o creme para a cara?” e eu muito ensonada, disse-lhe: “ Oh mãe, está ali!” e apontei para uma das gavetas do psiché que havia no meu quarto. A minha mãe abre a gaveta e vê outro creme e não o que ela procurava, então muito rapidamente diz: “Oh filha não é este, é Benamor!!!!”  . Sempre que estamos a falar de cremes de beleza, vem esta “história” à baila “ Oh filha é  Benamor!!!” é uma risota, pois vem-nos à memória os dias felizes que vivíamos naquela época, onde os meus pais eram um jovem casal, divertido, muito trabalhadores mas ao mesmo tempo muito divertidos, e eu e o meu irmão éramos duas crianças saudáveis, bem dispostas e muito, muito felizes.



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