terça-feira, 20 de outubro de 2009


O Sol do Marmeleiro
El Sol del Membrillo de Víctor Erice
com Antonio López García, Marina Moreno, Enrique Gran, María LópezArgumento Víctor Erice, Antonio López García Fotografia Javier Aguirresarobe, Ángel Luiz Fernández Música Original Pascal Gaigne Origem Espanha 1992 Duração 133’ Classificação M/121992 - 133'
Víctor Erice deixa que se passem anos entre as suas obras. Mas de cada vez que as dá a conhecer, elas nos surpreendem. Já pertencentes à história do cinema, "O Espírito da Colmeia" e "O Sul" são filmes singulares e representativos, não só da trajectoria do seu realizador, como também de uma época de Espanha. Íntimos e quentes são, no entanto, filmes muito fortes. A sua última obra, "O Sol do Marmeleiro" foi exibida perante o imperturbável desinteresse dos distribuidores, que não a consideraram suficientemente comercial. Imagem gravada noutra imagem, dois seres, dois criadores ansiosos por suspender a vida, por capturá-la e ofertá-la. Antonio López, reconhecido pintor espanhol, é o tema filmado por Víctor Erice. Por sua vez, Antonio López escolhe um outro sujeito para imortalizar, o marmeleiro plantado há anos no pátio de sua casa. Construído como um documentário, em que os personagens representam-se a si próprios e as acções filmadas são as que realizam, o filme de Erice vai para além do género clássico de namorar a ficção, oferecendo-nos um objecto diferente daquilo a que, como espectadores, estamos habituados a receber.A câmara regista os preparativos para a tela, o ambiente familiar, os amigos, os operários, os ruídos da vizinhança... O cuidado de Erice no detalhe permite-nos seguir cada um dos seus passos. A observação cuidadosa, a escolha do ângulo, a demarcação do espaço. Pinceladas nos frutos, nos muros, determinam marcas precisas aos olhos do pintor. A extensão das linhas e o uso de prumo servem para definir os traços que darão equilíbrio ao modelo, permitindo representá-lo de forma quase perfeita na tela. Antonio López usa um ritmo que procura encerrar o modelo em limites precisos, o ponto de observação preso entre os fios que delimitam a árvore, assim como o ângulo de visão determinado pela posição dos pés, fixos ao solo, que imobilizam o corpo. O marmeleiro no Outono deve a sua luz aos fugazes raios de sol que López tenta perpetuar. Assim, Erice oferece-nos uma doce luta entre o pintor e o passar do tempo que ameaça tirar-lhe a possibilidade de concluir a sua obra. Lópes segue diariamente uma realidade concreta. O amadurecimento dos frutos, futuramente mortos, estabelecendo-se assim uma relação intimista com essa morte, à qual desafia diariamente para a vencer no decorrer do tempo. Cinema e pintura expõem-se assim como o veículo necessário para mostrar uma dupla realidade: a da árvore de frutos, e a do pintor em frente à sua obra. Luta súbtil contra o inexorável, visível no processo de amadurecimento da árvore, imperceptível no envelhecimento do homem. O esforço para captar um momento. A pintura retém a vida. O cinema junta-lhe movimento. No entanto, é esse movimento que nos expõe a realidade do perecível, esse transcorrer que promete a morte a todos os seres vivos. Partindo de uma necessidade similiar - a intenção de capturar um instante da vida - o cinema e a pintura oferecem-nos duas situações contrastantes. A pintura expressa o momento de maior esplendor do marmeleiro. O cinema oferece-nos a sua decadência. E assim, o cinema permite-nos observar a impotência do pintor, que enfrentando o passar do tempo e as inclemências do clima, se vê limitado a pintar um modelo, sem o conseguir na totalidade. Os sons ambientais que caracterizam o dia da semana que decorre - domingos agradáveis, segundas-feiras ruidosas -, assim como as notícias provindas do rádio ajudam-nos a emoldurar, em cinema, ao pintor e ao seu modelo. É um enquadramento real, histórico, documental. No entanto, as visitas que López recebe enquanto pinta, as conversas com os operários estrangeiros, foram previstas no guião, detalhe necessário para entender o namoro de Erice com um género ambíguo que se balança entre o documentário e a ficção. A simplicidade do filme apoia-se no seu desenvolvimento cronológico, no ritmo pausado, demorado na observação e enriquecido através de pontuais reimpressões elípticas fundidas a branco. O Sol do Marmeleiro conta com uma ordem crescente, na qual estão claramente delimitados os papéis da pintura e do cinema. Erice faz um discurso honesto, um compromisso com a realidade. Tanto a oferecida pelo marmeleiro ao pintor, como a do pintor em frente à câmara cinematográfica, obtendo assim o espectador uma experiência lúcida, na qual as duas realidades se conjugam perante os seus olhos.
Neste filme O Sol do Marmeleiro, Victor Erice oferece-nos o tempo necessário para acompanhar a lenta gestação de um único quadro do pintor Antonio López García. Aqui, o cinema amplia a nossa capacidade de percepção e compreensão da criação plástica.

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