sábado, 17 de dezembro de 2022

SOLIDÃO

Jerónimo sentia o peso dos 87 anos, cada dia mais debilitado e triste.
Sentia-se sozinho, naquela casa humilde, mas sempre limpa, onde sempre vivera com a mulher e a filha.
Havia oito longos anos, que Jerónimo perdera a sua companheira de 56 anos de casados. Para ele tudo tinha terminado no dia em que Amália fora a enterrar.
 Exteriormente, a casa estava em derrocada, mas ele não tinha nem dinheiro nem ânimo para a mandar restaurar. Com uma reforma tão pequena, como se poderia aventurar a combinar com o pedreiro o restauro da casa? Sabia que os vizinhos o criticavam por aquele desmazelo, mas “cada um sabe da sua vida!” e ele sabia que não podia meter-se em aventuras dessas. Em alimentação, em médicos e em medicamentos muito pouco lhe restava da reforma. Dava para ir ao café beber um descafeinado e falar um pouco com quem lá encontrasse. Procurava que lhe sobrassem algumas moedas num mealheiro improvisado para dar à filha e ao genro, no Natal.
A filha casara muito nova e fora morar para Palmela. Arranjou trabalho como recepcionista num dentista, e raramente vinha a casa do pai, pois ao Domingo tinha que tratar da casa, das roupas e do marido.
Jerónimo trabalhara como funcionário público, nos ministérios do Terreiro do Paço durante 38 anos. Na secção, todos o consideravam, com seu feitio calado e reservado, era um funcionário rigoroso e responsável no seu trabalho. Os colegas viam-no chegar sempre com aquele ar tristonho, mas de cumprimento afável; com o jornal “o Século” debaixo do braço, que lera durante a travessia do barco do Barreiro para Lisboa. Andava sempre com a camisa branca de neve, gravata, as calças vincadas, chapéu e gabardine, pois a sua Amália fazia questão e sentia orgulho de lavar, passar a ferro todas as semanas a pouca roupa que ele tinha. Ela vinha sempre à janela fazer-lhe adeus, quando ele saía para o emprego, logo muito cedo, vestido com a sua gabardine e chapéu.
Nunca tivera uma vida abastada, bem pelo contrário! O que valia era que a mulher era muito poupada e organizada com o vencimento que ele lhe entregava no envelope mensalmente. Para ele, ficavam apenas uns trocos, pois os únicos vícios que tinha, era o tabaco e comprar o jornal diário. 
Naquele dia, como em todos os dias, veio do café do bairro, meteu a chave à porta , entrou em casa e encontrou-a  arrumada e limpa como sempre a deixava, antes de sair. Nunca deixou de limpar os móveis, os bibelôs, de fazer a cama, de lavar a loiça, de arrumar tudo como sempre a sua Amália fizera.
Olhou e ficou surpreendido, pois, sentada no velho sofá, tinha a visita inesperada da filha, àquela hora e num dia de semana… porque teria ela vindo visitá-lo?

 

USMMA                     Zuzu                            Dezembro 2022





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