Jerónimo
sentia o peso dos 87 anos, cada dia mais debilitado e triste.
Sentia-se
sozinho, naquela casa humilde, mas sempre limpa, onde sempre vivera com a
mulher e a filha.
Havia
oito longos anos, que Jerónimo perdera a sua companheira de 56 anos de casados.
Para ele tudo tinha terminado no dia em que Amália fora a enterrar.
Exteriormente, a casa estava em derrocada, mas
ele não tinha nem dinheiro nem ânimo para a mandar restaurar. Com uma reforma
tão pequena, como se poderia aventurar a combinar com o pedreiro o restauro da
casa? Sabia que os vizinhos o criticavam por aquele desmazelo, mas “cada um
sabe da sua vida!” e ele sabia que não podia meter-se em aventuras dessas. Em
alimentação, em médicos e em medicamentos muito pouco lhe restava da reforma.
Dava para ir ao café beber um descafeinado e falar um pouco com quem lá
encontrasse. Procurava que lhe sobrassem algumas moedas num mealheiro
improvisado para dar à filha e ao genro, no Natal.
A
filha casara muito nova e fora morar para Palmela. Arranjou trabalho como
recepcionista num dentista, e raramente vinha a casa do pai, pois ao Domingo
tinha que tratar da casa, das roupas e do marido.
Jerónimo
trabalhara como funcionário público, nos ministérios do Terreiro do Paço
durante 38 anos. Na secção, todos o consideravam, com seu feitio calado e
reservado, era um funcionário rigoroso e responsável no seu trabalho. Os
colegas viam-no chegar sempre com aquele ar tristonho, mas de cumprimento
afável; com o jornal “o Século” debaixo do braço, que lera durante a travessia
do barco do Barreiro para Lisboa. Andava sempre com a camisa branca de neve,
gravata, as calças vincadas, chapéu e gabardine, pois a sua Amália fazia
questão e sentia orgulho de lavar, passar a ferro todas as semanas a pouca
roupa que ele tinha. Ela vinha sempre à janela fazer-lhe adeus, quando ele saía
para o emprego, logo muito cedo, vestido com a sua gabardine e chapéu.
Nunca
tivera uma vida abastada, bem pelo contrário! O que valia era que a mulher era
muito poupada e organizada com o vencimento que ele lhe entregava no envelope
mensalmente. Para ele, ficavam apenas uns trocos, pois os únicos vícios que
tinha, era o tabaco e comprar o jornal diário.
Naquele
dia, como em todos os dias, veio do café do bairro, meteu a chave à porta , entrou
em casa e encontrou-a arrumada e limpa
como sempre a deixava, antes de sair. Nunca deixou de limpar os móveis, os
bibelôs, de fazer a cama, de lavar a loiça, de arrumar tudo como sempre a sua
Amália fizera.
Olhou e ficou surpreendido, pois, sentada no velho
sofá, tinha a visita inesperada da filha, àquela hora e num dia de semana…
porque teria ela vindo visitá-lo?
USMMA Zuzu Dezembro 2022
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