Desde que encontrara aquele canto da casa que a aranha
se sentia feliz. Era uma casa com mais de cem anos. As madeiras dos tectos
estavam velhas e as paredes muito salitrosas deixavam cair a cal em flocos pelo
chão. A casa estava desabitada. O dono da casa falecera há dois anos e a dona
da casa decidira ir viver para casa da filha. Aos fins de semana, a dona da
casa ia para a casa. Como a aranha se
encontrava na sua teia bem junto do tecto, entre a parede e uma trave do tecto,
a senhora nunca a via. Ela sim, via-a
sempre que ela ia à casa de banho. Ouvia o bater ritmado da bengala de
tripé e a princípio, escondia-se imediatamente no buraco entre a madeira
carcomida e a parede esburacada. Depois, começou a perceber que a velhinha
estava toda enrolada sobre si mesma, e que tinha um cuidado enorme em não
descolar os olhos do chão com medo que este estivesse molhado e ela pudesse
escorregar. Pouco a pouco, deixou de ter medo que ela a descobrisse.
A
aranha vivia ali tranquila e à vontade. Passeava-se pelas paredes, remendava
calmamente a teia quando uma mosca mais agressiva lutava com ela, de vez em
quando resolvia aumentar mais um pouco da sua teia, e assim vivia no seu
palácio como uma princesa.
A teia começou a ficar muito grossa. Era uma linda teia de aranha. Os seus filamentos, partindo do centro, eram muito bem feitos, muito bem organizados, criando um octógono perfeito no canto da parede.
A teia começou a ficar muito grossa. Era uma linda teia de aranha. Os seus filamentos, partindo do centro, eram muito bem feitos, muito bem organizados, criando um octógono perfeito no canto da parede.
A
aranha não sabia há quanto tempo ali vivia, mas sentia-se dona e senhora
daquela casa desabitada. Olhava as molduras penduradas nas paredes, com
fotografias amarelecidas pelos anos, de senhores circunspectos de grandes
bigodes e suíças a taparem-lhe as faces e senhoras de carrapito na cabeça, de
blusas atadas até ao queixo, sorridentes dentro do limite que naquela época era
aceite a uma senhora. Também havia molduras de fotografias de jovens, jovens
que tinham falecido há muito e que já quase ninguém lembrava os seus nomes.
Faltavam poucos dias para o Natal. Os netos da dona
da casa vinham passar o Natal à casa da avó, mas exigiam que a televisão
estivesse em condições. Para a velhota ver a imagem tremida e com uma cor
esbatida não tinha qualquer importância, contudo os netos disseram que só iriam passar o Natal a casa da avó se a imagem da
televisão fosse nítida e tivesse muitos canais.
Um dia, muito frio e sombrio, a aranha começou a
ouvir uns barulhos estranhos na casa. Mulheres conversavam alto, chamavam umas
pelas outras. Uma tentava arrojar um grande escadote que abriu com grande
estrondo mesmo muito perto da sua teia. Só teve tempo de correr e esconder-se
no buraco entre a trave do tecto e a parede. Estava cheia de medo. Nunca, desde
que ali resolvera morar, ouvira tanto barulho e tanto alvoroço na casa. De
tempos a tempos, ouvia o vozeirão de um homem, que perguntava olhando para cima
onde estava a caixa de derivação da luz. Ainda no solo, este abriu a caixa
enorme de latão cheia de ferramentas e uma das mulheres trouxe-lhe um rolo
enorme de fio eléctrico. Vinha colocar
uma nova antena para a televisão. E o lugar ideal para o fazer, era mesmo no
canto superior direito do tecto, onde a aranha vivia.
O homem olhou,
olhou muito para o canto onde
vivia a aranha, e disse para a mulher: -“Está
ali uma grande teia de aranha, traga-me uma vassoura
para a tirar dali!!! Vou passar por ali o fio para a antena da televisão!! “
Pôs o escadote mesmo por baixo da teia de aranha,
pegou na vassoura, subiu alguns degraus, e num ápice destruiu a teia onde há muito meses a aranha vivera
tranquila, e que tanto trabalho lhe tinha dado a fazer e preservar. Esta, muito
escondidinha num buraquinho mínimo da trave, tremia como varas verdes. Pensava
que era o seu fim, pois não via como sair daquela situação tão aflitiva!!!
As mulheres limpavam a casa, limpavam o pó, desarrumavam
para varrerem atrás dos móveis , tiravam os retratos das paredes e empilhavam-nos sem qualquer
cuidado uns nos outros, caiavam as paredes, havia um reboliço que há muito a
aranha não via.
O homem subiu ao escadote e com um berbequim
eléctrico fez um barulho infernal que quase ia matando a aranha de susto. Esta
não podia pensar em mexer-se, nem sequer pôr uma pata de fora!!! As paredes tremiam
com a broca do berbequim que a todo o custo furava as paredes grossíssimas da
casa até chegar ao telhado. Finalmente, o barulho acalmou e o homem começou a
passar o fio de plástico branco que iria ligar a antena à televisão.
Em pouco tempo, o homem concluiu o trabalho. Tirou o
escadote e arrumou-o a um canto do corredor da casa. As mulheres precisavam
dele para limparem os candeeiros que pendiam dos tectos.
A aranha decidiu ficar muito sossegadinha no seu
buraquinho. Sabia que se não desse nas vistas poderia ficar ali a viver mais
uns tempos tranquilamente.
Mas não estava tranquila. Pensava nas pessoas que
vinham da grande cidade, que não gostavam de aranhas e que um pequeno descuido
podia ser morte certa!!!!
Casa Branca, 22 de Dezembro de 2014
Zuzu Baleiro
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