http://quebralemes.blogspot.pt/2012/09/canto-dos-poetas-poetisa-do-sado.html
Resolvi partilhá-lo , pois é sempre gratificante encontrar alguém da família que se sobressaiu nas artes.
Anita Vilar
Mariana Angélica de Andrade |
Mariana Angélica de Andrade nasceu em Casa Branca , Sousel, em 11 de Maio de 1840. Era filha de Joaquim António Serrano, poeta, escritor e jornalista do Diário de Notícias e de Francisca Pereira da Silva. Aos 4 anos veio para Setúbal, onde vivia a sua madrinha que a criou e educou. Mariana adoptou de sua madrinha Gertrudes Angélica d’ Andrade os apelidos que usava. Provavelmente, viveu na Rua Nova da Conceição (actua Av. 5 de Outubro), no nº 21.
Não existem rastos sobre a aprendizagem escolar da poetisa. Contudo, dada a situação do sistema educativo português da altura – 1846-1850 – é natural que Mariana tenha frequentado o ensino privado ou tenha tido uma preceptora, solução que as famílias mais abastadas encontravam para dar alguma instrução às suas filhas. A madrinha de Mariana fazia parte das famílias burguesas da cidade, já que era viúva de um rico proprietário, e foi umas das pessoas que mais contribuiu para a existência e manutenção do Asilo da Infância Desvalida de Setúbal.
Casou civilmente em 1874 com o escritor, filólogo e poeta António Cândido de Figueiredo com o qual se correspondera durante anos e que estimulou a sua actividade poética. Foi desta troca de correspondência que o amor nasceu entre eles, sendo Cândido de Figueiredo ainda estudante em Coimbra. Depois do casamento foi viver para Lisboa, na Calçada do Duque 13-2º. Teve duas filhas – Rosalinda e Corina. Estas tinham, respectivamente, 7 e 5 anos quando Mariana Angélica faleceu às 3 horas da madrugada, em 14 de Novembro de 1882, aos 42 anos, vítima de tuberculose pulmonar. Foi enterrada no dia 16 de Novembro, às 11 horas da manhã, no Cemitério Ocidental, hoje Cemitério dos Prazeres.
A morte de Mariana foi noticiada na Gazeta Setubalense, no Diário de Notícias, no Século, no Jornal do Comércio, no Distrito de Viseu, no Jornal Ilustrado, no Jornal da Noite, no Viriato, no Diário de Portugal, no Comércio Português e em outros jornais e revistas onde a poetisa colaborou o que demonstra a consideração, o apreço e a admiração pela mesma.
O Distrito de Viseu noticiou deste modo a sua morte:
«Era uma senhora muito instruída e prendada. Os formosos versos que publicou em vários jornais deram-lhe o cognome de «A Poetisa do Sado».
Admiravam a sua obra nomes consagrados na literatura da época, como António Xavier Cordeiro, Gonçalves Crespo, Júlio César Machado, Feliciano Castilho, João Penha Alberto Pimentel, Simões Dias e Gomes de Amorim.
Mariana Angélica foi uma pessoa culta, conhecedora de Camões, Filinto Elísio, Nicolau Tolentino, Marquesa de Alorna, Publia de Castro, Bocage, Almeida Garrett, Feliciano de Castilho, Alexandre Herculano, Soares dos Passos, Camilo C. Branco, João de Deus, Gomes de Amorim e Simões Dias, Ana Plácido, entre outros. Também conhecia Molière, Victor Hugo e outros autores estrangeiros dos quais traduziu, para português, romances que foram publicados em folhetins em alguns dos jornais e revistas onde colaborou.
Um dos aspectos que a preocupava era a Edu cação em geral e a das mulheres em particular, tendo abordado este assunto por várias vezes nas publicações onde colaborava e que foram transcritos por outras publicações da época.
Tratou temas relacionados com problemas políticos e sociais do seu tempo em muitos dos seus poemas – a guerra, a injustiça, a pobreza, a liberdade – que foram recitados em várias ocasiões, em festas e recitais em Setúbal.Verifica-se na obra poética a sua revolta, a sua insatisfação, a sua mágoa com o facto de ser mulher.
Mariana Angélica d’Andrade começou a escrever muito cedo poesia; o poema “Estações da Vida”, publicado no seu primeiro livro, Murmúrios do Sado, tem a data de 1854.
A sua primeira obra, Murmúrios do Sado, foi publicada em 1870, em Setúbal, e prefaciada por Cândido de Figueiredo. Esta obra mereceu a atenção do Grémio Literário do Brasil tendo sido lavrado à autora diploma de sócia honorária.
A obra Revérberos do Poente foi publicada postumamente em 1883, no Porto, com prefácio de Gomes de Amorim. Também As Rimas Selectas foram publicadas postumamente em 1917, por Nuno Catarino Cardoso, na antologia Poetisas Portuguesas.
Mariana Andrade também escreveu artigos de opinião e de crítica, contos, fantasias e duas comédias; alguns que estão publicados, outros que deixou inéditos. A comédia As Esporas do Alferes foi estreada em Setúbal em 1870 e representada pelo actor José Romano.
Foi redactora da Gazeta Setubalense e da Grinalda Literária, colaborou no jornal Aspirações, na Voz Feminina (1868-1869), Almanaque de Senhoras (1871),Almanaque de Lembranças (1867) e em periódicos de Lisboa (Gazeta das Salas,1877), Coimbra e Porto.
POESIA E MULHER
Celeste dom da poesia,
Jóia sem preço, calcada
Aos pés da turba, que insulta
As desventuras do génio.
Camilo Castelo Branco
Porque me vens tu arcanjo da poesia,
Com teu estro de brilho cintilante,
Com fogo divinal que a fronte queima,
Esta alma extasiar?!
Eu sinto-me inspirada!... mas o mundo
Maldiz os sons da lira, afronta o génio
Que procura elevar-se, em asas de oiro,
Acima do vulgar!
Com loucos preconceitos ouve os hinos,
- Hinos que não conhece e não entende;-
Vozes d’alma sinceras que condena
Por não as compreender!
E mais a escarnece quando sabe
Que vêm d’uma mulher os sons que escuta!
Á vítima inocente nem lhe é dado
Prantos deixar correr!
Só pode ser feliz, ou ser querida,
A mulher que em salões pompeia galas,
Os gestos, a maneira, e em mil requebros
Sorri-se ternamente!
Que em vasto coração, se o tem acaso,
A muitos pretendentes presta asilo…
E o falso amor que se desata em risos,
Reparte largamente!
Mas se odeia a vaidade mentirosa,
Mira outra luz, tem outra senda aberta:
Precisa doutro amor, quer outro brilho
Que não há nos salões!
Ama a luz radiante do talento,
Idolatra a poesia, abraça a lira,
E sonha melhor mundo, embora este
Lhe roube as ilusões!...
Poesia! Se dás glória eu não a gozo;
Se dás palmas a quem a vida enturvas,
São elas tão exíguas que não chegam
A mim pobre mulher!
Que importa!... Se não cinjo verdes louros
Nem possuo os troféus que dás a custo,
Cânticos são riqueza de minha alma,
Nem outra glória quer.
Eu sinto-me enlevada quando penso
Em ti, meu terno amor, meu doce encanto.
O mundo que me veja e tenha zelos
Desta funda paixão!
Seus risos insensatos não me afligem;
Mas se ele me partisse a pobre lira…
Ai de mim!... também ele aniquilava
Meu triste coração!
MISTÉRIOS DO TOUCADOR
Cassilda foi ao baile, e tão formosa
Que fez inveja a todas as senhoras;
Muito embora gentis, encantadoras,
Nenhuma era tão bela e majestosa.
Tinha a cútis rosada e cetinosa
Tinha no olhar o brilho das auroras,
Tinha no olhar o brilho das auroras,
Tinha as formas perfeitas, sedutoras;
E ela passava altiva e donairosa.
De valsas e sorrisos fatigada,
Assim falou depois com a criada
A sós, ao toucador vendo as feições:
A sós, ao toucador vendo as feições:
« Fui rainha do baile! Que patetas
São os homens!... Recolhe nas gavetas
Os dentes, o cabelo, os algodões…»
1 comentário:
Só hoje vi o seu blogue, Zu Baleiro e gostei muito de ver a referência que faz a Maraiana Angélica de Andrade.
Eu sou a Anita Vilar e vou voltar a fazer um pequeno livro sobre a Mariana- é assim que a trato comigo mesma.
Será que me pode enviar o título do livro que do seu tio?
O meu e-mail é - anita.vilar@gmail.com
Vou ver se ainda há livros e, se houver, terei muito gosto em enviar-lhe um.
Grata, cumprimentos cordiais
Anita Vilar
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