"Sofro da doença da saudade…" — ouvi há tempos de uma
senhora de 86 anos. Tentei explicar-lhe que a saudade não era uma doença,
mas depois da sua explicação, acabei por concordar com ela.
"Tenho saudades do tempo em que podia fazer tudo sozinha, em
que sabia fazer tudo sozinha. Sobretudo, tenho saudades do tempo em que nunca
estava sozinha. É uma doença que afecta principalmente as pessoas da minha
idade. Tem cura, mas deve ser cara, porque ainda ninguém se curou dela! A
viuvez é um dos sintomas, assim como o partir dos filhos para a cidade.
Os filhos por lá têm os netos e para cá pouco os trazem. Os que
(ao contrário de mim) estão perto, ainda os ajudam a criar, mas depois a dor
dobra. Perdem-se os filhos e os filhos dos filhos, que são nossos filhos a dobrar.
Vai-se piorando quando nos apercebemos de que eles só voltam no
Natal e nos anos. E quando já se fizeram muitos (anos), nós deixamos de os
contar e eles de se lembrar que os fizemos.
Depois, outras doenças, como a crise, entram na nossa casa e acabam
por se alojar no nosso corpo.
O problema da crise é que ela entra em conflito com a medicação
que até lá tomávamos e somos obrigados a parar. Ao parar os medicamentos,
nós paramos.
Eu deixei de ir ver a Emília, que mora a duas casas da minha, que
as pernas desistiram de se arrastar. Deixei de ver o Goucha e a Cristina, que a
visão turvou. Deixei de me baixar para alimentar o bichano, que o chão
fugia-me. Percebi, nessa altura, que a saudade atingira o seu pico.
Desde então, agarro-me às fotografias. Sei que pioram o meu
estado, mas gosto de me lembrar de quem fui e do que tive. Não para quantificar
o que perdi, mas para valorizar o que a vida me deu até aqui.
E estamos quase Natal, menina! O Natal está para a saudade como
Agosto está para a crise. Acalmamos algo que vai voltar com mais força, quando
já não temos forças para uma recaída. Triste é saber que, no final, vamos
resistir a essa recaída e, ao resistir-lhe, resistimos mais um ano.
No meu caso, vou enganando a doença com mezinhas. Às vezes
aparecem uns senhores de uma associação da terra cá em casa. Perguntam-me como
estou, esperam para ouvir a resposta e sinto-me logo melhor. Mas à noite, à
noite fico sozinha e a alma dói-me. O corpo não me preocupa. Escorre-me uma
água salgada pelos olhos e isso, menina, isso já não me dói!"
Concordei. A saudade é uma doença dos nossos dias.
Bárbara Matias, aspirante a
jornalista. Estudante de Mestrado em Ciências da Comunicação na UTAD
Texto de Bárbara Matias • 06/11/2013 -
17:04
1 comentário:
É verdade Zuzu
A saudade é mesmo uma grande doença...
Beijinhos
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